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domingo, 29 de maio de 2011
Agora nos é fácil compreender por que o arrependimento está sempre unido à fé cristã, e por que o Senhor afirma que ninguém pode entrar no Reino dos Céus sem ter nascido de novo.

O arrependimento é esta conversão pela qual, abandonando a perversidade deste mundo, voltamos ao caminho do Senhor. E como Cristo não é ministro do pecado, nos purifica das manchas do pecado, e nos reviste da participação em sua justiça; mas não para que profanemos logo uma tão grande graça com novas faltas, senão para que consagremos o porvir de nossa vida à glória do Pai que nos adotou por filhos seus.

A realização deste arrependimento depende de nosso novo nascimento e compreende duas partes: a mortificação de nossa carne (quer dizer, da corrupção que é gerada conosco), e a vivificação espiritual pela qual a natureza humana é restaurada em sua integridade. O sentido de nossa vida está em que, mortos ao pecado e a nós mesmos, vivamos para Cristo e para sua justiça. E como este renascimento não se consuma enquanto estejamos prisioneiros deste corpo de morte, é necessário que a preocupação de nosso arrependimento dure até nossa morte.

João Calvino
In: Breve Instrução Cristã
sábado, 28 de maio de 2011
segunda-feira, 23 de maio de 2011
O Senhor não retarda a sua promessa, ainda que alguns a têm por tardia; mas é longânimo para conosco, não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se. Mas o dia do Senhor virá como o ladrão de noite; no qual os céus passarão com grande estrondo, e os elementos, ardendo, se desfarão, e a terra, e as obras que nela há, se queimarão. Havendo, pois, de perecer todas estas coisas, que pessoas vos convém ser em santo trato, e piedade, aguardando, e apressando-vos para a vinda do dia de Deus, em que os céus, em fogo se desfarão, e os elementos, ardendo, se fundirão? (2Pe 3:9-12)
Como era de esperar, Jesus não voltou na data marcada por Harold Camping e os seus seguidores da Family Radio. Mesmo antes da data marcada, vários sites e programas de TV, como o Jornal Nacional, ridicularizavam a tentativa de acertar a data da vinda do Senhor. Nem todos deixavam claro que se tratava de uma seita em particular e não os evangélicos em geral, e assim, a bem aventurada esperança da Igreja foi incluída no erro divulgado. Agora que a data passou e mais uma vez um falso profeta reprovou no teste, o que devemos fazer?

Em primeiro lugar, devemos manter viva a doutrina e a esperança da volta de Cristo. A despeito dos fiascos históricos dos que pretenderam marcar datas para a volta do Senhor, permanece o fato de que “o dia do Senhor virá” (2Pe 3:10). Esta certeza deve determinar a maneira como vivemos nestes dias que antecedem a volta do Senhor. Convém procurar saber “que pessoas vos convém ser em santo trato, e piedade, aguardando, e apressando-vos para a vinda do dia de Deus” (2Pe 3:11-12), entendendo que a aparente demora do Senhor nada mais é do que a longanimidade de Deus para com Seu povo “não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se” (2Pe 3:9).

Devemos também alertar os perdidos a respeito da iminente volta do Senhor. Ao contrário do que apregoam os marcadores de datas, a volta do Senhor não terá aviso prévio, pelo contrário, “o dia do Senhor virá como o ladrão de noite” (2Pe 3:10). Além de inesperada, a volta do Senhor trará sérias consequências à atual ordem de coisas. “Os céus passarão com grande estrondo, e os elementos, ardendo, se desfarão, e a terra, e as obras que nela há, se queimarão” (2Pe 3:10), realmente, “os céus, em fogo se desfarão, e os elementos, ardendo, se fundirão” (2Pe 3:12). Não haverá ponto de apoio para aqueles que não estiverem aguardando e apressando-se para encontrar o Senhor.

E quanto aqueles que caíram no erro de acreditar que Jesus voltaria em 21 de maio de 2011? Deve ser grande o desapontamento dos que deixaram tudo e se prepararam para o dia do julgamento. Nessas horas, não querendo abandonar o erro, muitos inventam explicações e saídas para o fracasso, como já aconteceu no passado com outras seitas. Outros, se decepcionam com Deus, como se Ele fosse o responsável pelas mentiras dos homens, e afastam-se da comunhão com a igreja. Mas alguns, arrependem-se do erro e procuram voltar-se para a simplicidade do evangelho, apegados à esperança da volta do Senhor, mas deixando de lado malabarismos numéricos sobre a data do retorno de Cristo. Os que permanecem no erro devem ser advertidos, os decepcionado buscados e os arrependidos acolhidos. Simplesmente tripudiar sobre os que erraram e ridicularizar tais pessoas, não é uma atitude cristã e o mundo já está fazendo muito bem. Nossa atitude deve ser outra.

Finalmente, podemos aprender alguma coisa com os seguidores de Harold Camping. O zelo e o empenho em que demonstraram em divulgar a falsa data da volta do Senhor serve de exemplo para os que proclamam o retorno do Senhor como parte da pregação do evangelho. Deles se pode dizer que tiveram zelo sem entendimento, que não se diga de nós que temos entendimento com falta de zelo.

Soli Deo Gloria
domingo, 22 de maio de 2011
Da mesma forma que Cristo intercede por nós ante o Pai pela sua justiça, para que sejamos declarados justos, sendo Ele nosso advogado, assim também fazendo-nos participar de seu Espírito nos santifica para fazer-nos puros e inocentes. Pois o Espírito do Senhor repousou sobre Ele sem medida —o Espírito de sabedoria, de inteligência, de conselho, de fortaleza, de ciência e de temor do Senhor—, para que todos tomemos de sua plenitude e recebamos graça sobre graça que lhe foi dada.

Aqueles, pois, que se gloriam da fé cristã, enquanto estão inteiramente privados da santificação de seu Espírito, se enganam a si mesmos; pois a Escritura ensina que Cristo foi feito para nós não só justiça senão também santificação. O Senhor, por esta aliança que concertou conosco em Cristo, promete, ao mesmo tempo, que fará a expiação de nossos pecados e que escreverá sua Lei em nossos corações.

A obediência à Lei não está em nosso poder, senão que depende do poder do Espírito que limpa nossos corações de sua corrupção e os amolece para que obedeçam à justiça. Em diante o uso das Leis, para os cristãos, é absolutamente impossível fora da fé. O ensino externo da Lei não fazia senão acusar-nos de debilidade e transgressão. Mas, desde que o Senhor gravou em nossos corações o amor a sua justiça, a Lei é uma lâmpada para guiar nossos passos pelo reto caminho; ela é a sabedoria que nos forma, nos instrui e nos alenta a sermos íntegros; é uma regra, e não sofre ser aniquilada por uma falsa liberdade.

João Calvino
In: Breve Instrução Cristã
quinta-feira, 19 de maio de 2011
Jesus proíbe qualquer restrição ao amor e compaixão para com os maldosos conosco. Essa doutrina parece heróica aos olhos da natureza humana comum, mas Jesus não a apresenta como tal. Ele fundamenta sua exigência na atitude natural do Pai, naquilo que Francisco de Assis chamou de "a grande cortesia de Deus". Pressupõe que os homens desfrutam os benefícios da chuva e do sol recebidos da mão do Pai e argumenta que uma generosidade semelhante deve fluir do nosso coração para os sem méritos. O altíssimo é bondoso para com os ingratos e os maus. Sede misericordiosos, assim como vosso Pai é perfeito, estendendo o vosso amor até aos inimigos. A pretensão moral é que os filhos do reino devem reproduzir na própria vida o espírito de seu régio Pai, especialmente para com aqueles que os ofenderam.

James Moffatt
In: A teologia dos evangelhos
quarta-feira, 18 de maio de 2011
No dia 18 de abril último, o juiz da Comarca de Divinópolis/MG julgou improcedente o pedido de indenização por danos morais feito por uma estudante de direito. Eis a ementa:

EMENTA: Dano moral. Transtornos causados por impossibilidade de entrar em boate, em razão de inadequação de vestimentas. Testemunha que confirma ser possível ver os seios da moça, em razão do decote da "frente única". Pedido julgado improcedente. Negativa de assistência judiciária, por estar a autora acompanhada de caro advogado, sendo frequentadora de local reservado para a elite da sociedade, gente chique, com direito a aparecer nas colunas sociais.

Em sua sentença, o magistrado disse que a boate "cumpriu rigorosamente o que estabelece a Lei consumerista, uma vez que colocou uma placa com informação sobre as regras de conduta que são admitidas no interior da boate. A placa, por outro lado, não é discriminatória nem ilícita, mas apenas delimitativa, que obriga a todos os que se propõe a entrar lá (...) Quem não goste dessa limitação, que não vá lá". Diante disso, depois de alguma digressão poética, julgou improcedente o pedido e negou incluive assistência jurídica, pois a autora "Pobre não é. Pobre só tem só tem cesta básica, forninho, SUS, bolsa família, bolsa escola, bolsa vazia...".

Até aqui o relato. A sentença do juiz foi corretíssima, ainda mais quando se considera que hoje tudo vira dano moral, até um simples aborrecimento ou uma olhada com a cara feia. Por isso a sentença exarada pelo este juiz foi divulgado como exemplar. Mas o ponto que gostaria de destacar é: e se não fosse uma mulher a barrada na porta da boate por trajes inadequados? Suponhamos que a pessoa fosse um travesti, vestido à maneira de destacar o vistoso implante de silicone?

Imagino que então o caso deixaria de ser uma desavença nas relações de consumo e passaria para a categoria de crime de discriminação de natureza sexual. Ao invés de tentar chorar na audiência, dizendo que foi "comparada a uma prostituta", afirmaria ser vítima de homofobia e o dono da boate estaria sujeito, não apenas a indenização por danos morais, mas à detenção por preconceito e discriminação. E o juiz, se ainda assim negasse o pedido, seria apresentado não como exemplo de aplicador da justiça, mas de como o judiciário é dominado pela ditadura heterossexual.

Se a moça não fosse uma moça, o caso se tornaria uma causa, a autora seria uma vítima e o dono da boate mais um homofóbico a ser detido. Seríamos todos iguais perante a lei?
segunda-feira, 16 de maio de 2011
Portanto, meus amados irmãos, sede firmes e constantes, sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que o vosso trabalho não é vão no Senhor. 1Co 15:58

Paulo está discorrendo sobre a doutrina da ressurreição, de Cristo e a nossa. Termina sua argumentação doutrinária com palavras de ações de graças: “Graças a Deus que nos dá a vitória por nosso Senhor Jesus Cristo” (1Co 15:57). Mas ele não encerra assim o assunto. Como sempre faz, ele aplica a doutrina à vida prática da igreja e ao caráter cristão. A palavra “portanto” faz a ligação entre a doutrina da ressurreição e a prática que deve resultar da fé nela. Hoje consideraremos como deve ser a pessoa que crê na doutrina da ressurreição e como isso deve afetar o seu trabalho na obra do Senhor. 

Consideraremos três aspectos do caráter de quem crê na ressurreição:

O cristão deve ser firme. A palavra firme (gr. hedraios) significa “o que está sentado, imóvel”. Descreve a condição de alguém que tem uma firme convicção, que não fica mudando de opinião a todo instante. Não se trata de uma pessoa que tem um credo para cada dia, hoje crê numa coisa, amanhã em outra e quem sabe semana que vem em outra completamente diferente. O termo descreve “o que está firme em seu coração, não tendo necessidade, mas domínio sobre o seu próprio arbítrio, e isto bem firmado no seu ânimo” (1Co 7:37). A ele não cabe a repreensão “até quando coxeareis entre dois pensamentos?” (1Rs 18:21), pois é firme em suas convicções, somente mudando quando convencido pela Palavra de Deus.

O cristão deve ser constante. Firmes e constantes não formam uma redundância, pois as palavras tem nuanças que as diferenciam entre si. Constante (gr. ametakinetos) significa inabalável, inamovível. Se firme descreve alguém imóvel, que não muda facilmente por si mesmo, constante descreve alguém que não é movido por outros ou por circunstâncias exteriores. Assim, firme descreve a posição de alguém em tempo de paz, constante descreve a pessoa na mesma posição, mas agora sob ataque. Ou seja, a ideia é de alguém que guarda o seu posto sob fogo intenso. O termo é usado por Paulo quando encoraja aos colossenses dizendo “não vos deixando afastar da esperança do evangelho que ouvistes” (Cl 1:23). 

O cristão deve ser abundante na obra do Senhor. Se você mantém a convicção interior e resiste com êxito aos ataques externos, está pronto para o próximo passo. Pois de um soldado espera-se não apenas que tenha firmeza e constância, mas também que apresente entusiasmo na batalha, dando de si além do que se espera. Em outras palavras, convém que ele seja abundante. 

Abundar (gr. perisseuo) significa “exceder um número fixo previsto, ir a mais e acima de um certo número ou medida”. Em outras palavras, é fazer mais que o acordado, ir além do combinado, superar as expectativas. A ideia implícita é de um progresso contínuo, como em Atos 16:5, onde se diz que “as igrejas eram fortalecidas na fé e, dia a dia, aumentavam em número” ou em 1Ts 4:10, em que Paulo destaca o amor fraternal dos tessalonicenses para com os macedônios, “contudo, vos exortamos, irmãos, a progredirdes cada vez mais”. Quer dizer, aquele que faz com firmeza e constância, será capaz de fazer mais! 

Se você é um cristão verdadeiro, você deve estar pensando: “sim, eu quero ser firme, constante e abundante, mas como fazer isso?”. Se este é o caso, temos uma palavra para você. Deus mesmo dá o poder e a motivação para isso. 

O poder está no Senhor. Lembramos que Paulo disse que é “Deus que nos dá a vitória por nosso Senhor Jesus Cristo” (1Co 15:57). A frase “no Senhor” que aparece no final do versículo deve ser aplicado a tudo o que é demandado anteriormente. Assim, podemos ser firmes se o formos no Senhor. Podemos ser constantes o formos no Senhor. E podemos ser abundantes apenas se o formos no Senhor. Reconhecendo nossa incapacidade e nossa dependência de Deus, ele nos dá tudo o que pede de nós. “Porque quem sou eu, e quem é o meu povo, para que pudéssemos oferecer voluntariamente coisas semelhantes? Porque tudo vem de ti, e do que é teu to damos” (1Cr 29:14). 

A motivação é que o vosso trabalho não é vão. Nada é mais motivador que observarmos o resultado de nosso trabalho. Porém, na obra de Deus nem sempre os resultados são evidentes a curto prazo. E por isso, muitos desanimam, pois queremos ver resultados grandes e imediatos. Porém, aqui temos que confiar na Palavra de Deus. Ela deve bastar para o verdadeiro crente. E ela nos afirma que nosso labor não é vão no Senhor. 

Isso significa que ainda que a semente pareça demorar para germinar, certamente crescerá e dará frutos, pois Deus está na causa: “eu plantei, Apolo regou; mas Deus deu o crescimento” (1Co 3:6). Como a Palavra de Deus não volta vazia, “aquele que leva a preciosa semente, andando e chorando, voltará, sem dúvida, com alegria, trazendo consigo os seus molhos” (Sl 126:6). Mas significa, também, que nosso trabalho será recompensado pelo Senhor naquele glorioso dia, em que ouviremos “bem está, servo bom e fiel. Sobre o pouco foste fiel, sobre muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor” (Mt 25:21). 

Alentados por esta esperança, sejamos firmes, constantes e abundantes na obra do Senhor!

Soli Deo Gloria
domingo, 15 de maio de 2011
Sendo Cristo o objeto permanente da fé, não podemos saber o que recebemos pela fé senão olhando para Ele. Agora bem, o Pai nos o entregou para que tenhamos nEle a vida eterna. Jesus disse: "E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, como o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, aquele que tu enviaste" (João 17:3, PJFA); e também: "quem crê em mim, ainda que morra, viverá" (João 11:24, PJFA).

Contudo, para que isto se cumpra, é necessário que sejamos purificados nEle, já que estamos manchados pelo pecado, e nada impuro entrará no Reino de Deus. Pelo qual necessitamos participar nEle, para que nós, que somos pecadores em nós mesmos, sejamos pela sua justiça achados justos ante o trono de Deus. E deste modo, despojados de nossa própria justiça, somos revestidos da justiça de Cristo e, sendo por nossas obras injustos, somos justificados pela fidelidade de Cristo.

Pois se diz que somos justificados pela fé, não porque recebamos em nosso interior alguma justiça, senão porque nos é atribuída a justiça de Cristo como se fosse nossa, enquanto que não nos é imputada nossa própria injustiça. De modo tal que é possível, resumindo numa palavra, chamar a esta justiça de remissão dos pecados. Isto é o que o apóstolo declara expressamente comparando com freqüência a justiça das obras com a justiça da fé, e ensinando que uma destrói a outra.

Estudando o símbolo dos apóstolos —que indica por sua ordem todas as realidades sobre as que está fundada e se apóia nossa fé—, veremos como Cristo nos tem merecido esta justiça e em que consiste a mesma.

João Calvino
In: Breve instrução cristã
quarta-feira, 11 de maio de 2011
Eis aqui algumas palavras de Jesus:

Convocando ele de novo a multidão, disse-lhes: Ouvi-me todos e entendei. Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa contaminar; mas o que sai do homem é o que o contamina... Porque de dentro, do coração dos homens, é que procedem os maus desígnios, a prostituição, os furtos, os homicídios, os adultérios, a avareza, as malícias, o dolo, a lascívia, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. Ora, todos estes males vêm de dentro e contaminam o homem.  Jesus não pregou a bondade fundamental da natureza humana. Ele certamente acreditava na verdade veterotestamentária,  de que o ser humano,  tanto homem como mulher, foi criado à imagem de Deus; mas também acreditava que essa imagem havia sido maculada. Ele pregou o valor dos seres humanos, inclusive dedicando-se a servir a eles. Mas também ensinou que não valemos nada. Ele não negou que somos capazes de dar "coisas boas" aos outros, mas também acrescentou que, mesmo que façamos o bem, nem por isso deixamos de ser "maus".  E nos versículos citados acima ele fez importantes declarações sobre a extensão, a natureza, a origem e o efeito do mal nos seres humanos.

Primeiro, ele ensinou sobre o alcance universal da maldade humana. Ele não estava descrevendo o segmento criminoso da sociedade, nem algum indivíduo ou grupo particularmente corrupto. Pelo contrário, ele estava con¬versando com refinados, "justos" e religiosos fariseus, e então generalizou, falando sobre "um homem" e "homens". De fato, geralmente são as pessoas mais honestas que têm a mais profunda consciência de sua própria degradação. Tomemos como exemplo Dag Hammarskjöld, Secretário Geral das Nações Unidas de 1953 a 1961. Ele foi um servidor público profundamente comprometido, a quem W. H. Auden descreveu como sendo "um homem bom, grande e louvá¬vel". Mesmo assim, a visão que ele tinha quanto a si mesmo era muito diferente. Em sua coleção de obras autobiográ¬ficas, intitulada Markings, ele escreveu sobre "essa perversa contraposição do mal em nossa natureza", que nos leva a fazer até do nosso serviço aos outros "o fundamento para a nossa própria auto-estima e preservação da nossa vida",
Em segundo lugar, Jesus ensinou sobre a natureza ego¬cêntrica da maldade humana. Em Marcos 7 ele enumerou treze exemplos. O que há de comum entre todos eles é que cada um é uma afirmação do ego, seja contra o nosso próximo (inclusive homicídio, adultério, furto, falso testemunho e cobiça - violações da segunda metade dos Dez Mandamentos), seja contra Deus (sendo que "orgulho e insensatez" são claramente definidos no Antigo Testamen¬to como negação da soberania de Deus e até da sua própria existência). Jesus resumiu os Dez Mandamentos em termos de amor a Deus e amor ao próximo, e todo pecado é uma forma de revolta egoísta contra a autoridade de Deus ou contra o bem-estar do nosso próximo.

Terceiro, Jesus ensinou que a maldade do homem é de origem interna. Sua fonte se encontra, não em um ambiente ruim, nem em uma educação falha (se bem que ambos possam exercer uma forte influência sobre jovens impres¬sionáveis), mas, sim, em nosso "coração", nossa natureza herdada e pervertida. Quase se poderia dizer que Jesus nos introduziu ao freudianismo antes mesmo de Freud. Pelo menos aquilo que ele chama de "coração" é, em termos aproximados, equivalente ao que Freud chama de "incons¬ciente". Isso nos faz lembrar um poço bem profundo. A espessa camada de lama que jaz no fundo geralmente não se vê, e muito menos se suspeita. Mas quando as águas do poço são agitadas pelos ventos da emoção violenta, a imundície mais fétida e nojenta sai borbulhando das profundezas e irrompe na superfície: ódio, raiva, lascívia, crueldade, ciúmes e revolta. Em nossos momentos mais sensíveis nós somos atormentados pela nossa potencialidade para o mal. E de nada adiantam tratamentos superficiais.

Em quarto lugar, Jesus falou do efeito contaminador da maldade humana. "Todos estes males vêm de dentro", disse ele, "e contaminam o homem".  Para os fariseus, a con¬taminação era algo muito mais exterior e cerimonial; eles se preocupavam com alimentos limpos, mãos limpas e vasilhas limpas. Mas Jesus insistiu em dizer que a contaminação é algo moral, que vem de dentro. O que nos torna impuros aos olhos de Deus não é o alimento que entra em nós (que vai para o nosso estômago), mas o mal que sai de nós (que sai do nosso coração).

Todas as pessoas que já conseguiram ver, ao menos de relance, a santidade de Deus, foram incapazes de suportar essa visão, de tão chocadas que ficaram diante da sua própria e contrastante impureza. Moisés escondeu o rosto, com medo de olhar para Deus. Isaías gritou, horrorizado, chorando sua própria impureza e perdição.

Ezequiel ficou ofuscado, quase cego, ao ver a glória de Deus, e caiu de rosto em terra.  Quanto a nós, mesmo que nunca tenhamos tido, como esses homens, sequer uma visão momentânea do esplendor do Deus Todo-poderoso, sabemos muito bem que não temos condições de entrar em sua presença, seja agora ou na eternidade.

Ao dizermos isso, nós não estamos esquecendo a nossa dignidade humana, com a qual se começou este capítulo. Devemos, no entanto, fazer jus à avaliação do próprio Jesus sobre a maldade da nossa condição como seres humanos. Ela é universal (em todo ser humano, sem exceção), egocêntrica (uma revolta contra Deus e contra o próximo), íntima (brota do nosso coração, de nossa natureza caída) e aviltante (torna-nos impuros e, portanto, indignos diante de Deus).

John Stott
terça-feira, 10 de maio de 2011
(1) Todos os incrédulos conhecem suficientes verdades acerca de Deus para ficar se escusando, e podem conhecer muitas mais, tantas quantas estão disponíveis ao homem. Não há limite para o número de proposições verdadeiras reveladas acerca de Deus que o incrédulo pode conhecer. 

(2) Mas faltam ao incrédulo a obediência a Deus e a comunhão com ele, essenciais ao “conhecimento” no sentido bíblico mais completo – o conhecimento daquele que crê. Contudo, o tempo todo eles estão envolvidos com Deus como inimigo. Assim é que o conhecimento que eles têm de Deus é mais do que meramente proposicional. 

(3) A desobediência do incrédulo tem implicações intelectuais. Primeiro, ela é em si uma resposta estulta à
revelação de Deus. 

(4) Segundo, a desobediência é uma espécie de mentira. Quando desobedecemos a Deus, testificamos para outros e para nós mesmos que a Palavra de Deus não é verdadeira. 

(5) Terceiro, a desobediência envolve combate à verdade – combate à sua disseminação, opor-se à sua aplicação à própria vida, à vida de outros e à sociedade. Os pecadores combatem a verdade de muitas maneiras. Eles (a) simplesmente a negam (Gn 3.4; Jo 5.38; At 19.9), (b) ignoram-na (2Pe 3.5), (c) psicologicamente a reprimem, (d) reconhecem a verdade com os lábios, mas a negam de fato (Mt 23.2s.), (e) colocam a verdade num contexto enganoso (Gn 3.5,12,13; Mt 4.6), e (f) usam a verdade para fazer oposição a Deus. Não devemos cair na armadilha de supor que todos os pecadores sempre usam a mesma estratégia. Nem sempre negam a verdade com palavras ou a reprimem em seu subconsciente. 

(6) Quarto, a mentira e a luta contra a verdade envolvem afirmações e falsidades. Não devemos presumir que toda sentença proferida por um incrédulo é falsa; os incrédulos podem combater a verdade de outras maneiras que não a de proferir falsidades. Contudo, a desobediência sempre envolve a aceitação do ateísmo, quer declarado com palavras quer meramente efetuado na vida (não há nenhuma diferença significativa entre negar a existência de Deus e agir como se Deus não existisse). 

(7) Quinto, essas falsidades podem ter conflito com as crenças verdadeiras que o pecador sustenta. Nalgum nível, todo incrédulo sustenta crenças conflitantes, por exemplo, Deus é Senhor e Deus não é Senhor. 

(8) Sexto, essas falsidades afetam todas as áreas da vida, inclusive a epistemológica. Dessa maneira, o incrédulo tem noções falsas, até sobre como raciocinar – noções que podem entrar em conflito com noções verdadeiras que ele também sustenta.

(9) Sétimo, o crente e o descrente diferem epistemologicamente em que para o crente a verdade domina sobre a mentira, e para o descrente é vice-versa. Nem sempre está claro que ela domina, o que equivale a dizer que não temos conhecimento infalível do coração alheio. 

(10) Finalmente, a meta do incrédulo é impossível – destruir inteiramente a verdade, substituir Deus por alguma divindade alternativa. Porque a meta é impossível, a tarefa é autofrustrante (ver Sl 5.10; Pv 18.7; Jr 2.19; Lc 19.22; Rm 8.28; 9.15s.). 

O incrédulo é condenado por sua própria boca, pois ele não pode deixar de afirmar a verdade à qual se opõe. E porque as ideias do incrédulo são falsas, até o seu limitado sucesso só é possível porque Deus o permite (ver Jó 1.12; Is 10.5-19). Em acréscimo ao fato de que o incrédulo se frustra a si mesmo, Deus também o frustra, restringindo-o de molde a não realizar os seus propósitos (Gn 11.7) e fazendo uso dele para, em vez disso, realizar os propósitos de Deus (Sl 76.10; Is 45.1s.; Rm 9.17). Assim, os esforços do incrédulo realizam o bem, apesar de si próprio.

segunda-feira, 9 de maio de 2011
“Porque a promessa vos diz respeito a vós, a vossos filhos, e a todos os que estão longe, a tantos quantos Deus nosso Senhor chamar” At 2:39

O batismo com o Espírito Santo como experiência separada da conversão é uma doutrina distintiva do pentecostalismo. Como muitos não pentecostais admitem a atualidade dos dons espirituais, inclusive os de expressão verbal e o de cura, a separalidade do batismo com o Espírito Santo passa a representar o principal ponto que identifica um pentecostal. Neste artigo, vamos nos ocupar dessa doutrina, a partir da declaração de Pedro destacada acima.

A tese a ser defendida aqui é que a promessa referida pelo apóstolo é o batismo com o Espírito Santo. Uma vez demonstrado este ponto, argumentaremos em favor de sua separalidade em relação à conversão e da sua disponibilidade para os crentes de hoje. Evidentemente, no espaço que dispomos não será possível um tratamento com a profundidade necessária, mas pretendemos, mais que fazer uma apologia, esclarecer que a fé pentecostal funda-se em argumentos bíblicos e não em meras experiências. 

Que a promessa de At 2:39 é o batismo com Espírito Santo é facilmente demonstrável a partir do contexto imediato, ou seja, o próprio discurso de Pedro. O versículo imediatamente anterior à declaração acima diz “arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para perdão dos pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo” (At 2:38). A promessa é o recebimento do Espírito Santo. Mais uns versos atrás Pedro havia dito que Jesus “tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vós agora vedes e ouvis” (At 2:33). O prometido era o Espírito Santo. E voltando para o início do discurso, temos a referência à promessa feita através do profeta Joel, que continha as palavras “e também do meu Espírito derramarei sobre os meus servos e as minhas servas naqueles dias, e profetizarão” (At 2:18). 

Entretanto, Pedro não aduzia apenas à promessa feita pelo profeta Joel, haja vista que ele sabia que o ocorrido era o cumprimento da promessa feita pelo próprio Jesus Cristo. Lucas registra que Jesus “estando com eles, determinou-lhes que não se ausentassem de Jerusalém, mas que esperassem a promessa do Pai, que (disse ele) de mim ouvistes. Porque, na verdade, João batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo, não muito depois destes dias” (At 1:4-5). O próprio Lucas havia registrado as palavras de Jesus “eis que sobre vós envio a promessa de meu Pai; ficai, porém, na cidade de Jerusalém, até que do alto sejais revestidos de poder” (Lc 24:49). A mesma promessa fora dada anteriormente pelo ministério de João Batista: “eu, em verdade, tenho-vos batizado com água; ele, porém, vos batizará com o Espírito Santo” (Mc 1:8). 

Da consideração das passagens bíblicas acima resulta que a promessa do Pai feita através do profeta Joel e reafirmada por Jesus era o batismo com o Espírito Santo. E que quando Pedro fez referência à promessa em seu discurso, estava falando da experiência do batismo com o Espírito Santo. 

Tendo estabelecido que a promessa do Pai é o batismo com o Espírito Santo, convém agora analisar a sua natureza, especialmente quanto ao aspecto de ser ele uma experência distinta e logicamente posterior à conversão. Embora este ponto também seja evidente nos textos apresentados, ele representa a principal dificuldade para aceitação do batismo com o Espírito Santo pelos não pentecostais, mesmo os continuístas. Talvez na origem dessa rejeição esteja um mal entendido quanto à regeneração, que precisa ser esclarecido. 

Os pentecostais não crêem que no batismo com o Espírito Santo a pessoa recebe o Espírito pela primeira vez, o que implicaria uma regeneração sem a operação sobrenatural da terceira pessoa da Trindade, o que nenhum pentecostal acredita. Embora a maioria deles creiam que a fé precede a regeneração, isso se deve ao arminianismo que predomina no meio pentecostal, e não por causa do batismo com o Espírito Santo. O fato é que os pentecostais crêem que a regeneração é uma obra do Espírito Santo e que desde o momento que crê, o crente passa a ser morada do Espírito Santo. 

No batismo pentecostal o Espírito Santo não é recebido como poder salvífico, o que ocorre na regeneração, e sim como poder capacitante para o serviço. Ou seja, o batismo com o Espírito Santo é um revestimento de poder, visando a obra a ser feita. “Mas recebereis a virtude do Espírito Santo, que há de vir sobre vós; e ser-me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra” (At 1:8) foi dito em conexão com a promessa do batismo com o Espírito Santo. 

Que o batismo com o Espírito Santo não se confunde com o novo nascimento fica claro quando consideramos que a promessa foi feita a crentes, ou seja, pessoas que já haviam sido regeneradas: “vós já estais limpos, pela palavra que vos tenho falado” (Jo 15:3), já haviam experimentado a “lavagem da regeneração e da renovação do Espírito Santo” (Tt 3:5) quando receberam a ordem “ficai, porém, na cidade de Jerusalém, até que do alto sejais revestidos de poder” (Lc 24:49). O derramamento do Espírito Santo veio sobre crentes, pois “todos estes perseveravam unanimemente em oração e súplicas, com as mulheres, e Maria mãe de Jesus, e com seus irmãos” (At 1:14) quando a promessa se cumpriu. Sendo assim, o batismo com o Espírito Santo foi uma experiência distinta da conversão, o que pode ser dito também de outras ocorrências em Atos dos Apóstolos. 

Finalmente, resta-nos analisar se o batismo com o Espírito Santo no Pentecostes é um evento histórico único ou recorrente até os dias de hoje. Se olharmos para a palavras de Pedro colocadas em epígrafe, a conclusão inevitável é que o batismo com o Espírito Santo, como promessa do Pai, não se limita àquele dia em Jerusalém. “A promessa vos diz respeito a vós, a vossos filhos, e a todos os que estão longe, a tantos quantos Deus nosso Senhor chamar” foram as palavras de Pedro. Uma promessa mais inclusiva, impossível. Incluía os que estavam naquele dia em Jerusalém, os filhos deles, alguns provavelmente tendo ficado em suas cidades de origem, os que não estavam presentes, enfim a tantos quantos Deus nosso Senhor chamar”, vale dizer, todos os crentes em todos os lugares a partir daquele momento! 

Isto é reforçado por dois fatos. A duração dos “últimos dias” e os relatos posteriores de Atos dos Apóstolos. O período denominado “últimos dias” compreende do dia de Pentecostes até a volta do Senhor. Os sinais preditos por Joel e repetidos por Pedro não se cumpriram na sua totalidade, havendo detalhes que somente ocorrerão imediatamente antes ou no momento da vinda do Senhor: “e farei aparecer prodígios em cima, no céu; e sinais em baixo na terra, sangue, fogo e vapor de fumo. O sol se converterá em trevas, e a lua em sangue, antes de chegar o grande e glorioso dia do Senhor” (At 2:19-20). Portanto, ainda nos encontramos nos “últimos dias”, nos quais o batismo com o Espírito Santo ocorreria. Além disso, há relatos de outros “pentecostes” no próprio livro de Atos, o que desfaz o argumento de um único evento histórico, mesmo quando se considera que os eventos seguintes foram desdobramentos do primeiro. 

Mais poderia ser dito sobre o batismo com o Espírito Santo como promessa aos crentes de todas as épocas. Mas seria alongar o artigo que já ficou muito maior que o recomendável. Mesmo assim, coloco-me a disposição para complementar o que foi dito acima com argumentos bíblicos que expandem e aprofundam o que já foi exposto. 

Soli Deo Gloria
domingo, 8 de maio de 2011
Se considerarmos honestamente em nosso interior até que ponto é cego nosso pensamento ante os segredos celestiais de Deus, e até que ponto é nosso coração infiel em tudo, não duvidaremos que a fé ultrapassa infinitamente todo o poder de nossa natureza, e que é um dom extraordinário e precioso de Deus. Como diz são Paulo: "Porque, qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o espírito do homem, que nele está? Assim também ninguém sabe as coisas de Deus, senão o Espírito de Deus" (1 Coríntios 2:11, ACF). Se a verdade de Deus vacilar em nós, inclusive tratando-se de coisas que nosso olho vê, como vai ser firme e estável quando o Senhor promete coisas que nem nosso olho vê nem nossa inteligência compreende?

Vemos, pois, que a fé é uma iluminação do Espírito Santo, que esclarece nossas inteligências e fortalece nossos corações. Ela nos convence com certeza e nos da a segurança de que a verdade de Deus é de modo tal certa, que Deus cumprirá tudo o que em sua santa Palavra prometeu que Ele faria. Eis aqui por que o Espírito Santo é designado como "penhor" que confirma em nossos corações a certeza da verdade divina, e como um selo que selou nossos corações na espera do dia do Senhor. O Espírito Santo dá testemunho a nosso espírito de que Deus é nosso Pai e nós, seus filhos.

João Calvino
In: Breve Instrução Cristã
sexta-feira, 6 de maio de 2011
"Reduza o cristianismo a um bom conselho e ele se harmoniza perfeitamente à cultura do treinamento de vida. Pode parecer relevante, mas, na verdade, ele acaba perdido no mercado das terapias moralistas. Quando anunciamos o cristianismo como o melhor método de aprimoramento pessoal, inclusive com depoimentos sobre o quanto estamos cada vez melhores desde que "entregamos tudo", os não cristãos podem, com toda razão, nos questionar: "Que direito você tem de dizer que a sua [religião]* é a única fonte de felicidade, significado, experiências emocionantes e aperfeiçoamento moral?". Jesus claramente não é a única forma eficaz para uma vida melhor ou para um eu melhor. Qualquer pessoa pode perder peso, parar de fumar, melhorar um casamento e se tornar mais agradável sem Jesus.

O que distingue o cristianismo, em sua essência, não é seu código moral, e sim sua história - a história de um Criador que, embora rejeitado por aqueles que criou à sua imagem, se inclinou para reconciliá-los consigo mesmo por meio de seu Filho. Essa não é uma história sobre o progresso do indivíduo para o céu, e sim a narrativa dos acontecimentos históricos da encarnação de Deus, da expiação, da ressurreição, da ascensão e do retorno, bem como da exploração de seu rico significado. Em sua essência, esta história é um evangelho: as boas-novas de que Deus nos reconciliou consigo mesmo em Cristo."

*Esta palavra foi inserida por mim [Danilo Neves] pra dar sentido a frase, pois ela não constava na tradução.

Fonte: Michael Horton. Cristianismo Sem Cristo, editora Cultura Cristã, p. 86, 2010.
segunda-feira, 2 de maio de 2011
Uma enquete realizada no blog Cinco Solas procurou saber em que estado as crianças nascem: se saudáveis, espiritualmente enfermas ou mortas em pecado. Das 246 pessoas que responderam, 59% crêem que as crianças já nascem mortas em pecado, 22% que elas nascem espiritualmente saudáveis e 13% que elas nascem debilitadas pelo pecado. Apenas 5% declararam não saber a resposta.

Não se trata de apenas mais uma curiosidade, a enquete revela posicionamentos relacionados a três correntes teológicas: arminianismo, calvinismo e pelagianismo. Evidente que esse posicionamento pode ter sido assumido de forma inconsciente, o que neste caso evita respostas baseadas em rejeição a uma corrente teológica ou mesmo aversão a rótulos. Como as respostas podem ser enquadradas nessas correntes teológicas?

Os calvinistas afirmam que as crianças nascem espiritualmente mortas diante de Deus por causa do pecado. O termo calvinismo tem sua origem em João Calvino, porém suas doutrinas distintivas são anteriores e não se limitam ao que foi proposto pelo teólogo nascido na França em 1509 e que exerceu seu ministério em Genebra. No que respeita ao tema em foco, Agostinho já perguntava “se as crianças são inteiramente inocentes, por que as mães correm para a igreja quando elas adoecem?”. E completava que se as crianças soubessem falar e tivessem a compreensão de Davi, diriam que embora nenhum pecado fosse visível, “fui concebido em iniquidade e em pecado me gerou minha mãe”. Para o hiponense, depois do pecado de Adão “toda a raça à qual deu origem foi corrompida nele e, assim, submetida à pena de morte”.

João Calvino explicou o conceito dizendo que “como a morte espiritual não é outra coisa senão o estado de alienação em que a alma subsiste  em relação a Deus, já nascemos todos mortos, bem como vivemos mortos até que nos tornamos participantes da vida de Cristo”. Essa alienação espiritual é universal, no sentido que afeta todas as pessoas, de todas as classes, de todos os lugares e de todas as idades.

Os que afirmam que as crianças nascem espiritualmente saudáveis identificam-se com o pelagianismo. Pelágio nasceu na Inglaterra em 354. Era um cristão moralista bem intencionado, preocupado com que o crente tivesse uma vida de atitudes e comportamento de elevado padrão moral. Ele negava o pecado original e a culpa herdada. Também negava que a graça de Deus fosse essencial para a salvação e afirmava que alguém poderia viver de forma impecável pelo poder do livre-arbítrio, mesmo antes da morte de Cristo. Para ele, o pecado era um problema social e não hereditário. As crianças nasciam sem a doença do pecado, e poderiam assim permanecer se fizessem uso correto do seu livre-arbítrio.

Ele admitia que Adão pecara, mas entendia que a natureza humana criada por Deus era inalteravelmente boa, ou seja, o pecado não altera a natureza humana, o máximo que o pecado faz é mudar o comportamento do homem. Assim, todos os homens são criados na mesma condição de Adão antes da queda. Da mesma forma que negava as consequências da Queda na natureza humana, Pelágio se revoltava contra a imputação da culpa de Adão à sua descendência. Para ele, culpar uma criança pelo pecado de Adão se constituía uma injustiça odiosa.

Charles Finney seguiu de perto a Pelágio ao negar tanto a corrupção da natureza humana pela Queda como a culpa herdada. “Eu me oponho à doutrina da pecaminosidade constitucional que faz com que todo pecado, original e real, seja uma mera calamidade e não um crime”, dizia. Para ele, a doutrina do pecado original é “um ramo de uma filosofia totalmente falsa e idólatra” e que é “infinitamente absurdo, perigoso e injusto, incorporá-la ao padrão da doutrina cristã, dar-lhe o lugar de um artigo indispensável de fé e denunciar todos aqueles que não engolem os seus absurdos, porquanto hereges”.

Os que escolheram que as crianças nascem enfermas pelo pecado alinham-se com a corrente arminiana, que deve seu nome a Jacó Armínio, um pastor e teólogo holandês que viveu de 1560 a 1609. Porém, deve ser dito de imediato que o próprio Armínio afirmava que “nada pode ser mais verdadeiramente dito do homem nesse estado do que o fato de ele estar completamente morto no pecado (Rm 3:10-19)”. É por afirmações como essas que Moisés Stuart considerou que é possível construir um argumento de que Armínio não era arminiano. Aliás, o arminiano Roger Olson disse que ele nunca deixou de ser calvinista.

Voltando ao ponto em questão, arminianos como Limborch, Whitby e John Taylor afirmam que o pecado com o qual nascemos “não é inerente à alma, pois esta é criada imediatamente por Deus e, portanto, se infectada pelo pecado, este seria de Deus”. Observa-se que o arminianismo advoga uma depravação que preserva a criança de ser culpada diante de Deus, do contrário Ele seria injusto. Além disso, o homem nasce depravado, mas ainda capaz de cooperar com o Espírito Santo, que potencializa o livre-arbítrio para esse fim.

John Wesley modificou o arminianismo corrente, dando uma maior ênfase à depravação, negando que o homem tenha qualquer capacidade de cooperar com a graça de Deus e afirmando que herdamos não apenas a natureza, mas também a culpa de Adão. Mas, por outro lado, afirma que a culpa de todos através de Adão foi perdoada pela justificação de todos através de Cristo, assim, o que dá com uma mão tira com a outra. Para o arminianismo o pecado afeta profundamente todas as pessoas que nascem. Mas não a ponto de torná-las culpadas diante de Deus (exceto  no wesleyanismo) e nem ao ponto de incapacitá-las de cooperar com a graça de Deus. Ou seja, nem a sentença de morte, nem incapacidade de participação no processo de cura estão presentes no sistema arminiano, no que se refere aos infantes. Os pecadores estão enfermos, muito enfermos, mas não a ponto de serem incapazes de estender a mão para receber a esmola do homem rico. O arminianismo foi rejeitado pelo Sínodo de Dort, em 1619.

A pesquisa apresenta algumas limitações, que precisam ser levadas em conta. Em primeiro lugar, as respostas obtidas são voluntárias e muitos que viram a enquete podem não ter respondido. Outros podem ter respondido mais de uma vez. Em segundo lugar, os visitantes do blog não são representativos da população em geral e talvez nem dos evangélicos em particular. Mesmo assim, pelo número de respondentes, a margem de erro da pesquisa é de 3,2%.

Soli Deo Gloria
domingo, 1 de maio de 2011
Não se deve pensar que a fé cristã é um puro e simples conhecimento de Deus, ou uma compreensão da Escritura, que anda volitando no cérebro sem tocar no coração. Tal é, de ordinário, a opinião que temos das coisas que nos são confirmadas por alguma razão humana.

Mas a fé cristã é uma firme e sólida confiança do coração, pela que descansamos com segurança na misericórdia de Deus que nos foi prometida pelo Evangelho. Assim, a definição de fé deve tomar-se da substância da promessa. E a fé se apóia tão perfeitamente neste fundamento que, se tiramos eles, a fé desmoronaria imediatamente, ou, melhor falando, desapareceria.

Por isso, quando o Senhor, pela promessa evangélica nos apresenta sua misericórdia, e nós com certeza e sem vacilação alguma nos confiamos nAquele que realiza a promessa, então possuímos sua Palavra pela fé. E esta definição não é senão a do apóstolo, que nos ensina que a fé é a substância das coisas que se esperam, a demonstração das coisas que não se vêem. O apóstolo entende por estas palavras uma possessão segura e certa das coisas que Deus prometeu, e uma evidência das coisas que não se vêem, quer dizer, da vida eterna que esperamos a causa de nossa confiança nesta bondade divina que se nos oferece pelo Evangelho.

Agora bem, já que todas as promessas de Deus foram confirmadas e, por assim dizer, cumpridas e realizadas em Cristo, é evidente que Cristo é, sem lugar a dúvidas, o objeto perfeito da fé, e que essa contempla nEle todas as riquezas da misericórdia divina.

João Calvino
In: Breve Instrução Cristã