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segunda-feira, 2 de maio de 2011
Uma enquete realizada no blog Cinco Solas procurou saber em que estado as crianças nascem: se saudáveis, espiritualmente enfermas ou mortas em pecado. Das 246 pessoas que responderam, 59% crêem que as crianças já nascem mortas em pecado, 22% que elas nascem espiritualmente saudáveis e 13% que elas nascem debilitadas pelo pecado. Apenas 5% declararam não saber a resposta.
Não se trata de apenas mais uma curiosidade, a enquete revela posicionamentos relacionados a três correntes teológicas: arminianismo, calvinismo e pelagianismo. Evidente que esse posicionamento pode ter sido assumido de forma inconsciente, o que neste caso evita respostas baseadas em rejeição a uma corrente teológica ou mesmo aversão a rótulos. Como as respostas podem ser enquadradas nessas correntes teológicas?
Os calvinistas afirmam que as crianças nascem espiritualmente mortas diante de Deus por causa do pecado. O termo calvinismo tem sua origem em João Calvino, porém suas doutrinas distintivas são anteriores e não se limitam ao que foi proposto pelo teólogo nascido na França em 1509 e que exerceu seu ministério em Genebra. No que respeita ao tema em foco, Agostinho já perguntava “se as crianças são inteiramente inocentes, por que as mães correm para a igreja quando elas adoecem?”. E completava que se as crianças soubessem falar e tivessem a compreensão de Davi, diriam que embora nenhum pecado fosse visível, “fui concebido em iniquidade e em pecado me gerou minha mãe”. Para o hiponense, depois do pecado de Adão “toda a raça à qual deu origem foi corrompida nele e, assim, submetida à pena de morte”.
João Calvino explicou o conceito dizendo que “como a morte espiritual não é outra coisa senão o estado de alienação em que a alma subsiste em relação a Deus, já nascemos todos mortos, bem como vivemos mortos até que nos tornamos participantes da vida de Cristo”. Essa alienação espiritual é universal, no sentido que afeta todas as pessoas, de todas as classes, de todos os lugares e de todas as idades.
Os que afirmam que as crianças nascem espiritualmente saudáveis identificam-se com o pelagianismo. Pelágio nasceu na Inglaterra em 354. Era um cristão moralista bem intencionado, preocupado com que o crente tivesse uma vida de atitudes e comportamento de elevado padrão moral. Ele negava o pecado original e a culpa herdada. Também negava que a graça de Deus fosse essencial para a salvação e afirmava que alguém poderia viver de forma impecável pelo poder do livre-arbítrio, mesmo antes da morte de Cristo. Para ele, o pecado era um problema social e não hereditário. As crianças nasciam sem a doença do pecado, e poderiam assim permanecer se fizessem uso correto do seu livre-arbítrio.
Ele admitia que Adão pecara, mas entendia que a natureza humana criada por Deus era inalteravelmente boa, ou seja, o pecado não altera a natureza humana, o máximo que o pecado faz é mudar o comportamento do homem. Assim, todos os homens são criados na mesma condição de Adão antes da queda. Da mesma forma que negava as consequências da Queda na natureza humana, Pelágio se revoltava contra a imputação da culpa de Adão à sua descendência. Para ele, culpar uma criança pelo pecado de Adão se constituía uma injustiça odiosa.
Charles Finney seguiu de perto a Pelágio ao negar tanto a corrupção da natureza humana pela Queda como a culpa herdada. “Eu me oponho à doutrina da pecaminosidade constitucional que faz com que todo pecado, original e real, seja uma mera calamidade e não um crime”, dizia. Para ele, a doutrina do pecado original é “um ramo de uma filosofia totalmente falsa e idólatra” e que é “infinitamente absurdo, perigoso e injusto, incorporá-la ao padrão da doutrina cristã, dar-lhe o lugar de um artigo indispensável de fé e denunciar todos aqueles que não engolem os seus absurdos, porquanto hereges”.
Os que escolheram que as crianças nascem enfermas pelo pecado alinham-se com a corrente arminiana, que deve seu nome a Jacó Armínio, um pastor e teólogo holandês que viveu de 1560 a 1609. Porém, deve ser dito de imediato que o próprio Armínio afirmava que “nada pode ser mais verdadeiramente dito do homem nesse estado do que o fato de ele estar completamente morto no pecado (Rm 3:10-19)”. É por afirmações como essas que Moisés Stuart considerou que é possível construir um argumento de que Armínio não era arminiano. Aliás, o arminiano Roger Olson disse que ele nunca deixou de ser calvinista.
Voltando ao ponto em questão, arminianos como Limborch, Whitby e John Taylor afirmam que o pecado com o qual nascemos “não é inerente à alma, pois esta é criada imediatamente por Deus e, portanto, se infectada pelo pecado, este seria de Deus”. Observa-se que o arminianismo advoga uma depravação que preserva a criança de ser culpada diante de Deus, do contrário Ele seria injusto. Além disso, o homem nasce depravado, mas ainda capaz de cooperar com o Espírito Santo, que potencializa o livre-arbítrio para esse fim.
John Wesley modificou o arminianismo corrente, dando uma maior ênfase à depravação, negando que o homem tenha qualquer capacidade de cooperar com a graça de Deus e afirmando que herdamos não apenas a natureza, mas também a culpa de Adão. Mas, por outro lado, afirma que a culpa de todos através de Adão foi perdoada pela justificação de todos através de Cristo, assim, o que dá com uma mão tira com a outra. Para o arminianismo o pecado afeta profundamente todas as pessoas que nascem. Mas não a ponto de torná-las culpadas diante de Deus (exceto no wesleyanismo) e nem ao ponto de incapacitá-las de cooperar com a graça de Deus. Ou seja, nem a sentença de morte, nem incapacidade de participação no processo de cura estão presentes no sistema arminiano, no que se refere aos infantes. Os pecadores estão enfermos, muito enfermos, mas não a ponto de serem incapazes de estender a mão para receber a esmola do homem rico. O arminianismo foi rejeitado pelo Sínodo de Dort, em 1619.
A pesquisa apresenta algumas limitações, que precisam ser levadas em conta. Em primeiro lugar, as respostas obtidas são voluntárias e muitos que viram a enquete podem não ter respondido. Outros podem ter respondido mais de uma vez. Em segundo lugar, os visitantes do blog não são representativos da população em geral e talvez nem dos evangélicos em particular. Mesmo assim, pelo número de respondentes, a margem de erro da pesquisa é de 3,2%.
Soli Deo Gloria
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