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sábado, 25 de agosto de 2007
Deus exerceu sua soberania sobre todas as coisas desde o princípio da criação. Ele é o Rei do universo, e seu reino abrange toda a realidade. Quando o poderoso rei Nabuconodosor finalmente caiu em si, declarou:
"O seu domínio é um domínio eterno; o seu reino dura de geração em geração. Todos os povos da terra são como nada diante dele. Ele age como lhe agrada com os exércitos do céu e com os habitantes da terra. Ninguém é capaz de resistir à sua mão ou dizer-lhe: 'O que fizeste?'" Dn 4:34-35

Não apenas o nascimento e a queda de nações são determinados pela soberana vontade de Deus, mas até os cabelos da cabeça de cada ser humano são contados pelo Todo-Poderoso (Mt 10:30). Seu reino está acima de tudo e não cairá nunca.

Mas, dentro do domínio da soberania de Deus que tudo abrange, uma manifestação mais específica de sua autoridade é exibida no reino de seu Messias. "O tempo é chegado", declarou Jesus, "e o Reino de Deus está próximo" (Mc 1:15). Reproduzindo essa mesma idéia, o apóstolo Paulo fala da "plenitude do tempo", em que Deus envia o seu Filho (Gl 4:4). Embora a soberania de Deus tenha sido manifestada claramente em todas as eras anteriores, chegou ao ápice com a chegada do messias, o Cristo Jesus.

Jesus, no desenrolar do drama de sua chegada ao mundo, deixou bem claro que o reino messiânico aconteceria em dois estágios. No primeiro, o Filho do homem seria traído, rejeitado, açoitado, crucificado e levantaria dos mortos (Mt 16:21; 17:22-23; Lc 18:31-33 etc). Ele, embora seja glorioso em seu propósito e em sua missão, deve experimentar a humilhação nas mãos daqueles que deveriam submeter-se à sua lei. O mesmo Filho do homem, depois, retornará em glória com todos os anjos santos. Ele sentado à direita de Deus numa posição de poder, julgará as nações (Mt 24:30,31; Lc 21:27-28).

Essa chegada dupla do reino do Messias é constantemente mencionada em todos os documentos da nova aliança. Pedro, no dia de Pentecostes, explica que o derramamento do Espírito Santo foi profetizado como algo que ocorreria "nos últimos dias" (At 2:17), correspondendo à presente era da proclamação do evangelho. Mas no capítulo seguinte, ele sugere sobre Jesus: "É necessário que ele permaneça no céu até que chegue o tempo em que Deus restaurará todas as coisas, como falou a muito tempo, por meio dos seus santos profetas" (At 3:21). No momento, o evangelho está sendo espalhado pelo mundo por meio do poder do Espírito Santo. Mas, o próprio Messias, num dia futuro, retornará para restaurar a integridade deste mundo caído. Seu reino está se espalhando agora e um dia, no futuro, será consumado.

A mesma estrutura dupla do reino do Messias é encontrada na epístola aos Hebreus. Deus fala conosco por meio de seu Filho "nestes últimos dias" (Hb 1:2). Mas, um dia no futuro, "o mundo que há de vir" será sujeitado ao Filho de Deus (Hb 2:5). Jesus apareceu uma vez por todas no fim dos tempos para acabar com o pecado por meio de seu sacrifício. Contudo, ele também aparecerá uma segunda vez para trazer a salvação em sua totalidade àqueles que o aguardam. Pedro, da mesma forma, em sua primeira epístola, compara os "últimos tempos" com o "último tempo". O Cristo Jesus foi revelado "neste últimos tempos" para redenção de seu povo (1Pe 1:20), e esse mesmo povo está protegido pelo poder de deus "até chegar a salvação prestes a ser revelanda no último tempo" (1Pe 1:5).

Portanto, o reino de Deus chega por meio da pessoa do Messias. Mas o mundo não deveria ficar surpreso com a humildade do primeiro estágio de sua realização nem deixar de aguardar essa consumação gloriosa do reino somente devido a sua demora.

ROBERTSON, O. Palmer. O Israel de Deus. Editora Vida, 2005. p.118-20.
segunda-feira, 20 de agosto de 2007
"Pedi, e dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei, e abrir-se-vos-á." Mt 7.7

"E tudo quanto pedirdes em meu nome, isso farei, a fim de que o Pai seja glorificado no Filho. Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei." Jo 14.13-14

Kenneth Hagin, no livro Em Nome de Jesus, diz:

"A palavra 'pedir' também significa 'exigir'."

RR Soares, em seu Curso Fé, diz:

"Segundo os entendidos na língua grega esta palavra pedirdes está mal traduzida. A palavra pedirdes no grego é o verbo "Aiteó", então ela teria sido melhor traduzida como determinardes. Este pedirdes não tem nada ver como mendigar algo. Então, aqui está a primeira lição. Não precisamos pedir a benção e sim determinar, exigir, mandar, ou seja: tomar posse daquilo eu aprendemos pela Palavra que nos pertence."

Interessante que RR Soares não declina os nomes dos entendidos que afirmam que pedir é uma tradução ruim de aiteo. Não sou entendido na língua grega, aliás não entendo quase nada, mas sei que aiteo, aparece 71 vezes no Novo Testamento, e é traduzida como "pedir, suplicar, implorar, desejar". Confira algumas dessas ocorrências:

Dá a quem te pede e não voltes as costas ao que deseja que lhe emprestes. Mt 5:42

Ora, imagine um mendigo determinando que alguém lhe desse uma esmola ou um necessitado ordenando que alguém lhe emprestasse algum dinheiro. Não tem nenhum sentido.

Ou qual dentre vós é o homem que, se porventura o filho lhe pedir pão, lhe dará pedra? Ou, se lhe pedir um peixe, lhe dará uma cobra? Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará boas coisas aos que lhe pedirem? Mt 7:9-11

Nem mesmo o mais desvairados dos psicólogos admitiriam que filhos ordenassem ou determinassem que seu pai lhe desse pão e peixe? Um filho está numa posição de inferioridade e dependência com relação ao seu pai. Ele não determina, pede e tem confiança que seu pai irá lhe suprir a necessidade.

Então, se chegou a ele a mulher de Zebedeu, com seus filhos, e, adorando-o, pediu-lhe um favor. Mt 20:20

Imagine alguém chegando a alguém e determinando que ele lhe faça um favor. Por definição, favor é algo voluntário, que depende unicamente da liberalidade de quem faz e não da autoridade de quem pede. O próprio fato daquela mulher se abaixando e adorando ao Senhor deixa claro que ela não podia ir chegando e determinando que Jesus nomeasse seus filhos primeiros-ministros.

Mas os principais sacerdotes e os anciãos persuadiram o povo a que pedisse Barrabás e fizesse morrer Jesus. Mt 27:20

Pilatos era governador, uma autoridade romana a que o povo judaico estava sujeito. Ele mandava em Jerusalém e não recebia ordens de ninguém. Portanto, o povo não podia determinar que Pilatos soltasse a Barrabás. No máximo, podia insistir no pedido e aguardar a boa vontade do governador.

Este foi ter com Pilatos e lhe pediu o corpo de Jesus. Então, Pilatos mandou que lho fosse entregue. Mt 27:58

Aqui temos um contraste entre pedir e determinar. José de Arimatéia fez um pedido a Pilatos. Não determinou, não ordenou, não mandou. Apenas pediu, com a humildade de quem se dirige a um superior. Já Pilatos, esse sim podia determinar, e determinou. Mas para isso não usou aiteo, usou keleuo, ordenar, comandar.

Era levado um homem, coxo de nascença, o qual punham diariamente à porta do templo chamada Formosa, para pedir esmola aos que entravam. At 3:2

Imaginem um aleijado ordenando, determinando que os passantes lhe dessem esmola. "Eu determino que me dê um dracma!". Seria considerado insolente e não receberia nada, a não ser algumas palavras ásperas de reprensão. Mas se humildemente reconhecesse sua posição, então poderia receber a devida esmola ou, no caso do mendigo da passagem, algo mais valioso que prata e outro.

Este achou graça diante de Deus e lhe suplicou a faculdade de prover morada para o Deus de Jacó. At 7:46

Coloque determinar em lugar de suplicar e você terá uma construção absurda. No entanto, suplicar nesse versículo é o mesmo aiteo que os "entendidos" do RR Soares acham que está mal traduzido.

E aquilo que pedimos dele recebemos, porque guardamos os seus mandamentos e fazemos diante dele o que lhe é agradável. 1Jo 3:22

A razão para que recebemos o que pedimos é que Ele se agrada de nossas obras e da nossa guarda de seus mandamentos. Ora quem manda é o que estabelece mandamentos e não quem pede. Logo, na oração nós pedimos e não determinamos. Quem manda é Deus e Ele nos dá o que pedimos se o que fazemos lhe é agradável. Fica claro quem manda nesse versículo, e não somos nós.

E esta é a confiança que temos para com ele: que, se pedirmos alguma coisa segundo a sua vontade, ele nos ouve. 1Jo 5:14

Ora, novamente a certeza da resposta à oração não está em determinarmos a bênção, mas em nos conformarmos em nossos pedidos à vontade de Deus.

Fica claro nas passagens acima e em todas as outras em que aiteo ocorre que determinar ou ordenar não é uma tradução possível. Portanto, pedir é pedir e determinar nada tem a ver com essa palavra.

Outras palavras utilizadas para pedir

Já vimos que aiteo não pode ser corretamente traduzido como determinar. Seria um desvio muito grande do significado do termo e aplicado nas diversas ocorrências do mesmo na Bíblia chegamos a verdadeiros absurdos.

Outra palavra traduzida como pedir na Bíblia é deomai. Essa palavra ocorre 22 vezes no Novo Testamento e significa "pedir, orar, rogar, suplicar". Portanto, não pode ter o sentido de dar ordens a alguém ou de determinar que Deus atenda nossa oração. Erotao é outra palavra traduzida 3 vezes como pedir no Novo Testamento, toda em Lucas. Em 5:3 refere-se a Jesus pedindo a Simão que se afastasse com o barco da praia, em 7:3 fala do Centurião pedindo a Jesus que viesse curar seu servo e em 14:32 fala de um rei que reconhecendo a inferioridade de seu exército manda emissários a outro rei pedindo paz. Com exceção de Lc 5:3, as passagens referem-se a um inferior dirigindo-se a um superior com um pedido, e não com uma ordem.

A diferença básica entre aiteo, deomai e erotao é que aiteo denota um pedido de acordo com a vontade daquele a quem é dirigido o pedido, deomai trata de um pedido de acordo com a necessidade e erotao enfatiza a forma do pedido. Em todos os casos, não se pode afirmar que signifiquem determinar. Thayer afirma ainda que "aiteo significa pedir por algo a ser dado, não feito, dando proeminência a coisa pedida antes que a pessoa, e por isso é raramente usado em exortação. Erotao, por outro lado, é solicitar que uma pessoa faça (raramente que dê) algo; referindo-se mais diretamente à pessoa, é naturalmente usado em exortação, etc."

A palavra determinar

Determinação é uma palavra que ocorre na Bíblia e significa "ordernar, mandar que seja feito, encarregar, comandar, ordenar, incumbir, designar". Quem determina é Deus (Lc 22:22; At 2:23; 7:44; 13:47; 1Co 14:34; 1Tm 6:15; 2Tm 1:9; Hb 4:7; Ap 11:18), Jesus (At 1:4; Jo 2:8) autoridades (At 20:13; 25:17) e Paulo como autoridade apostólica (At 20:3; 20:16; 2Co 1:17; 2Ts 3:12). Em nenhuma das 21 ocorrências da palavra determinar ocorre associada à oração ou como sinônimo de pedir. Portanto, pedir não é determinar e determinar não é pedir.

Orar é pedir e não determinar

O crente é servo e ora ao Seu Senhor. A atitude correta é de reconhecimento da superioridade divina e da completa dependência do crente. Além disso, o crente deve sempre ter em mente que não merece nenhuma bênção do Senhor e não tem nenhum direito a reivindicar. Tudo que recebe, é por pura graça e misericórdia de Deus. Logo, seria no mínimo insolência aproximar-se de Deus para dar ordens ou determinar a bênção. Deve sim, pedir confiando que Deus, em Sua infinita bondade, irá atende-lo, não porque tenha ordenado ou tenha direito, mas porque o faz com fé em Cristo e confiado em Seus méritos na cruz.

Soli Deo Gloria
Novembro de 2005
segunda-feira, 13 de agosto de 2007
Antes de apresentar as diferenças, é necessário salientar que este é um debate intramuros de irmãos em Cristo. Não se levanta a questão para se saber quem é salvo e quem não é, tampouco para descobrir quem é o mais espiritual, pois em ambos os lados há pessoas verdadeiramente convertidas e de vida piedosa. Porém, não se pode dizer que o tema é irrelevante, haja vista que nossa vida diária, o culto que oferecemos ao Senhor e o serviço que prestamos em Sua Obra são influenciados pela maneira como entendemos essas questões. Os parágrafos seguintes apresentam as duas opções teológicas da forma mais imparcial possível.

O calvinismo entende que o homem é absolutamente incapaz de ir a Cristo, pois está morto espiritualmente e precisa antes de qualquer ação de sua parte ser vivificado em seu espírito e renovado em sua vontade. O arminianismo entende que o homem tem livre-arbítrio pelo qual pode crer e aceitar a Cristo, para depois ser regenerado.

O calvinismo crê que Deus escolheu de forma soberana e graciosa aqueles a quem iria salvar, sem que nada neles os habilitasse a isso, nem mesmo fé antevista. Os arminianos crêem que Deus escolheu aqueles que Ele pela Sua presciência viu que iriam responder com fé à oferta do evangelho.

Os calvinistas afirmam que Jesus Cristo morreu para tornar certa a salvação daqueles que Deus havia escolhido na eternidade. O arminianismo ensina que Jesus morreu para tornar possível a salvação de todos e cada um dos homens.

O calvinismo crê que os eleitos são chamados de forma eficaz, de modo que todos sejam salvos. O arminianismo crê que a graça pode ser resisistida e de fato é por aqueles que não crêem.

Os calvinistas crêem que todos os que foram verdadeiramente regenerados irão perseverar certamente. Os arminianos acreditam que crentes nascidos de novo podem vir a cair da fé e perder a salvação.

Apresentadas estas diferenças, convém esclarecer alguns mal entendidos de parte a parte.

Não é certo dizer que os calvinistas acreditam que o homem é como um robô ou fantoche, pois eles acreditam que os homens sãos erem morais livres. E não é correto afirmar que os arminianos ensinam que o homem pode ser salvo apenas pela sua vontade, sem a assistência da graça.

Não é verdade que os calvinistas defendem uma eleição arbitrária, tipo um sorteio cósmico, pois fazem a eleição depender de um Deus que é soberano, sábio e bom. Também não é certo afirmar que os arminianos negam a doutrina da eleição, pois afirmam a eleição ou pela presciência ou de forma corporativa.

Não e correto afirmar que os calvinistas limitam o valor da morte de Cristo, pois eles afirmam que ela é suficiente para salvação de todos os homens. E não é verdade que os arminianos defendem o universalismo, pois a fé é ressaltada como necessária à salvação e nem todos crêem.

Não é verdade que os calvinistas crêem que Deus obriga as pessoas a amá-lo, pois o que Deus faz é mudar a disposição do coração do homem, para que o ame voluntariamente. Também não é verdade que os arminianos ensinam que a graça ajuda mas não é imprescindível à salvação.

Finalmente, não é verdade que os calvinistas defendem que os crentes serão salvos de qualquer jeito, mesmos que percam a fé. E é mentira que os arminianos afirmam que a salvação depende totalmente do crente.

Nestes pontos, o que é comum aos dois sistemas é que ambos admitem os efeitos da queda, variando o grau e a extensão desses efeitos, que ao final nem todos os homens são salvos, sendo que a fé a incredulidade caracterizarão os salvos e os perdidos, respectivamente, que a salvação do homem depende da obra de Cristo em seu favor na cruz, que a chamada pelo Espírito Santo é necessária e que todos dos que forem salvos terão perseverado. É em detalhes, pequenos mas fundamentais, que estão as diferenças que distinguem os dois sistemas.

Finalmente, não se pode afirmar que os dois sistemas estão certos. Nem que um deles está 100% certo e o outro 100% errado. Contudo, um deles conta com o testemunho mais abrangente, profundo e consistente das Escrituras. E portanto, deve ser aceito como o que mais se aproxima da verdade revelada. O estudo cuidadoso e com disposição para abandonar pressupostos em nome da verdade bíblica revelerá qual deve receber nossa aprovação.

Soli Deo Gloria
domingo, 12 de agosto de 2007
A controvérsia tem início com Pedro Pelágio, nascido na Irlanda em 354, que afirmava que somos capazes de obedecer. Sua posição foi uma reação a uma oração de Agostinho, que dizia "concede o que ordenaste". Para ele, se Deus dá o que exige de nós, qual o mérito da obediência? Para Pelágio, a natureza humana é inalteravelmente boa e todos os homens são criados como Adão antes da queda, portanto nós somos capazes de evitar o mal e pode haver homens sem pecado. Como não herdamos a natureza pecaminosa, a graça pode até ajudar a fazermos o bem, porém não é necessária para alcançarmos a bondade. Enfim, a graça não acrescenta nada à natureza humana, pelo contrário, é obtida por mérito.

Aurélio Agostinho, também nascido em 354 no Norte da África, opôs-se ferozmente às idéias de Pelágio, afirmando que somos incapazes de obedecer. Enquanto o monge irlandês negava as conseqúências da queda, Agostinho as enfatizava. Para ele, o homem fez mau uso de seu livre-arbítrio e destruiu a si mesmo e a sua descendência. Pela queda, o homem perdeu a liberdade, teve sua mente obscurecida, perdeu a graça que o assistia para o bem, adquiriu uma tendência para o pecado, tornou-se fisicamente mortal e passou a ter culpa hereditária. Dessa forma, o único jeito do homem ser recuperado desse estado de completa ruína é pela graça de Deus. Para Agostinho, essa graça era livre, visto que não é merecida nem conquistada, indispensável pois é a condição sine qua non da salvação, preveniente pois deve vir antes do pecador se recuperar, irresistível porque cumpre o propósito de Deus em dá-la e infalível porque a liberação da graça é sem falha.

Com a condenação dos ensinos de Pelágio no concílio Geral de Cartago, em 418, a controvérsia chegaria ao fim, não fossem os semi-pelagianos, liderados por João Cassiano, terem continuado a oposição a Agostinho, agora afirmando que somos capazes de cooperar. Cassiano insistia que embora a graça fosse necessária à salvação é o homem, e não Deus, que deve desejar o bem. Assim, a graça é dada a fim de que aquele que começou a desejar seja assistido e não para dar o poder de desejar. Para ele, o início das boas ações, bons pensamentos e fé, entendidos como preparação para a graça, é do homem. Portanto, a graça é necessária para a salvação final, mas não para dar a partida.

No alvorecer da Reforma, Martinho Lutero, nascido em 1483 na Alemanha, revive o agostianismo, afirmando que somos cativos do pecado. Seu livro "De servo arbitrio" é uma resposta a Erasmo de Roterdã, pensador católico romano, que definiu o livre-arbítrio como "um poder da vontade humana pelo qual um homem pode se dedicar às coisas que o conduzem à salvação eterna, ou afastar-se das mesmas. Lutero nota que a definição de Erasmo não requer a graça para o homem se voltar para o bem ou para Deus. Ém oposição a essa definição, afirma que o livre-arbítrio sem a graça de Deus não é livre de forma nenhuma, mas é prisioneiro permanente e escravo do mal, uma vez que não pode tornar-se em bem. Para Lutero, o livre-arbítrio do homem serve apenas para levá-lo à prática do mal e para a salvação sua dependência da graça é absoluta.

Talvez o nome mais relacionado à controvérsia sobre predestinação e livre-arbítrio seja o de João Calvino, nascido em 1509 na França. Sua ênfase sobre o tema pode ser resumida na expressão somos escravos voluntários. Para ele, quando a vontade humana está acorrentada ao pecado, ela não pode fazer sequer um movimento em direção à bondade, quanto menos persegui-la com firmeza. Calvino sempre procurou preservar a glória divina, por isso, no que concerne ao assunto afirmou que o homem não pode apropriar-se de nada, por mais insignificante que seja, sem roubar de Deus a honra. Quanto ao homem, afirma que tendo sido corrompido pela queda peca não por propulsão violenta ou força externa, mas pelo movimento de sua própria paixão; e ainda, é tal a depravação de sua natureza que ele não pode mover-se e agir a não ser em direçào ao mal. Calvino enfatiza a total dependência do homem da graça dizendo é obra do Senhor renovar o coração, transformando-o de pedra em carne, dar a tanto a boa vontade como o resultado dela e colocar o temor ao Seu nome em nosso coração para que não retrocedamos.

Tiago Armínio, nascido em 1560 na Holanda, ensinava que somos livres para crer. Embora a controvérsia sobre arminianismo e calvinismo tenham colocado Armínio e Calvino em lados opostos, a verdade é que eles tem muito mais pontos em comum que divergentes. O ponto de afastamento é que Armínio considera que a graça pode ser resistida. Para ele, a graça é uma condição necessária para a salvação, mas não uma condição suficiente. Ou seja, sem a graça o homem é incapaz de aceitar a salvação, mas com a graça ele ainda é capaz de rejeitá-la. Um ano após a morte de Armínio, seus seguidores, chamados Remonstrantes, apresentaram um protesto composto de cinco pontos, nos quais afirmavam que Deus elege ou reprova com base na fé ou incredulidade previstas, Cristo morreu por todos e cda um dos homens, embora só os crentes sejam salvos, o homem é tão depravado que a graça é necessária para a fé ou para a boa obra, mas essa graça é resistível e se o regenerado vão certamente regenerar requer maior investigação. Esses pontos foram respondidos no Sínodo de Dort, originando os chamados "Cinco Pontos do Calvinismo".

Em 1821, o advogado americano Charles Gladison Finney, nascido em 1792, converte-se ao cristianismo. Ele afirmava que não somos depravados por natureza. Para ele, se a natureza é pecaminosa, de tal forma que a ação é necessariamente pecaminosa, então o pecado em ação deve ser uma calamidade, e não pode ser crime, uma vez que a vontade do homem nada tem a ver com ele. Quanto a regeneração, ele a torna dependente da escolha humana, dizendo que nem Deus, nem qualquer outro ser, pode regenerá-lo se sua vontade não mudar de direção. Se ele não mudar a sua escolha, é impossível que ela possa ser mudada. Afinal, para Finney, a regeneração é mera mudança de escolha e de intenção. Ele negava que a regeneração envolvesse mudança na constituição da natureza humana. Em suma, o homem opera a sua própria regeneração.

Os cristãos modernos alinham-se a uma ou mais dessas ênfases. A igreja romana nunca deixou de afagar seu semi-pelagianismo latente. O arminianismo moderno são essencialmente remonstrante, de uma forma que até Armínio reprovaria. Os calvinistas atuais mantém as posições de Agostinho, Lutero e Calvino, conforme expressas nos Cânones de Dort. Infelizmente, Elvis pode ter morrido, mas Pelágio e Finney continuam vivos entre evangélicos.
sábado, 11 de agosto de 2007
"Então conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará" Jo 8:32

Esta declaração de Jesus torna claras algumas verdades. A primeira é a de que o homem natural não é livre. De fato, logo adiante Ele diz "se o Filho vos libertar... sereis livres" (Jo 8:36). O segundo ponto evidente é que verdadeira liberdade procede da verdade. "A tua Palavra é a verdade" (Jo 17:17) disse Jesus ao Pai. Logo, é pela verdade bíblica e não por filosofias humanistas que o homem caído é liberto. Finalmente, há a necessidade de conhecimento dessa verdade para se respirar o ar da perfeita liberdade. Daí, que é necessário que se anuncie a todo homem escravizado a verdade da Palavra de Deus.

Porém, os judeus ficaram surpresos com a declaração de Jesus que eles poderiam tornar-se livres. "Jamais fomos escravos de ninguém" (Jo 8:33a), exclamaram indignados. Isto é comum com os nascidos escravos, pois nunca tendo experimentado a liberdade, pensam ser livres. Como animais nascidos no zoológico, jamais correram pelas savanas africanas, logo consideram-se livres por poderem se movimentar nos metros quadrados de sua jaula! Os judeus dos dias de Jesus estavam subjugados e eram governados pelos Romanos, e mesmo assim não entendiam "como é que dizes que seremos livres?" (Jo 8:33b).

Então Jesus lhes demonstrou que sua escravidão era pior que o domínio político e econômico de Roma. "Todo aquele que comete pecado, é escravo do pecado" (8:34). Pobres judeus, pensaríamos nós, se esta não fosse a condição de todo homem. Nós somos concebidos em pecado (Sl 51:5), portanto, nascemos escravos. Temos uma mente escravizada, uma vontade escravizada e nossa liberdade é ilusória, como a dos filhotes do zoológico. Porque pecamos livremente, pensamos que somos livres para fazer o bem da mesma forma que fazemos o mal.

Os judeus continuavam não entendendo como Jesus podia dizer que eles não eram livres. Eles continuavam achando que era um absurdo que Jesus chamasse filhos de Abraão de escravos. Mas a causa de sua confusão ia além de má compreensão. O espanto deles era porque, nas palavras de Jesus, "a minha palavra não penetra em vós" (Jo 8:37). Jesus lhes diz que não entendiam "porque não podeis ouvir a minha palavra" (Jo 8:43). Por outro lado "quem pertence a Deus ouve as palavras de Deus" (Jo 8:47) e se eles não ouviam era porque não pertenciam a Deus.

Esta passagem destrói várias suposições humanas. Reduz a pó a idéia docemente acalentada de que o homem é livre para fazer igualmente o bem ou o mal, pois afirma que ele é escravo. Elimina de vez o pensamento de que bastam palavras persuasivas para que os homem por sua livre e expontânea vontade para serem livres, pois os que não são de Deus não podem ouvir. Finalmente, contrariando o senso comum, afirma a eleição, referindo-se aos eleitos como "os que são de Deus".

O homem nasce escravo, e morrerá escravo, se o Filho não o libertar.
sexta-feira, 10 de agosto de 2007
O que significa dizer que a Bíblia é essencialmente um livro de salvação?
Como podemos entender Jesus Cristo no Antigo e Novo Testamento?
De que forma a Escritura extrai de nós uma resposta de fé?

A escolha de um livro e o modo como o lemos são determinados em grande parte pelo propósito do autor em escrevê-lo. Trata-se de um livro de ciências ou de história concebido para informar ou um romance destinado a entreter? É uma obra séria de prosa ou poesia pela qual o autor reflete sobre a vida e estimula o leitor a pensar também? Ele fala de algum modo significativo para o mundo contemporâneo? Ou se trata talvez de uma obra controversa na qual o autor se dispõe deliberadamente a defender seu ponto de vista? E não é só isso: o autor está qualificado a escrever sobre o assunto? Questionamentos desse tipo nos vêm com freqüência à mente quando nos perguntamos: "Vale a pena ler este livro?".

A maior parte dos livros fornece aos leitores potenciais a informação que desejam sobre quem os escreveu e por quê. Quando não é o autor que nos conta francamente no prefácio a respeito de si mesmo e do assunto do texto, o editor nos relata na contracapa. A maioria dos leitores passa algum tempo analisando essas informações antes de comprar, emprestar ou ler o livro.

É lamentável que os leitores da Bíblia nem sempre se disponham a fazer essas mesmas perguntas. Muitos parecem apenas apanhá-la e lê-la a esmo. Alguns começam pelo Gênesis e empacam em Levítico. Outros talvez perseverem obstinadamente por um senso de dever, talvez até mesmo estabelecendo (e cumprindo) a meta de ler a Bíblia capítulo após capítulo em cinco anos, mas sem obter muito benefício de seu estudo, porque lhes falta a compreensão do propósito geral do livro. De fato, muitos desistem totalmente da idéia de ler a Bíblia, ou nem chegam a começar, porque não conseguem entender como a história de um povo distante numa terra distante pode ter relevância para a atualidade.

Assim, como podemos dizer que a Bíblia — que não é um livro, mas uma biblioteca de 66 livros — tem um "propósito"? Ela não foi compilada por autores diferentes em ocasiões diferentes com objetivos diferentes? Sim e não. Há de fato uma grande variedade de autores e temas humanos. Mesmo assim, os cristãos crêem que haja um único e divino Autor com um único tema unificador.

A própria Bíblia declara qual é seu tema, dito diversas vezes em várias passagens, mas talvez nunca tão sucintamente quanto pelo apóstolo Paulo falando a Timóteo:

... desde a infância, sabes as sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus. Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra. 2Timóteo 3:15-17

Aqui o apóstolo reúne tanto a origem quanto o tema da Escritura: de onde ela vem e para onde se dirige. Sua origem: "Inspirada por Deus". Seu tema: "Útil" a todos os seres humanos. Na verdade ela nos é útil porque tem sopro de Deus — é inspirada por Deus. Num capítulo posterior, falarei sobre o tema da inspiração bíblica; neste capítulo, investigo a natureza da utilidade da Bíblia. Para esse fim, escolhi três palavras que Paulo usa — "salvação", "Cristo" e "fé".

Um livro de salvação

Talvez nenhuma outra palavra bíblica tenha sofrido tanto a partir do mau uso e da compreensão equivocada do que é "salvação". Alguns de nós, cristãos, somos culpados pela caricatura que se tem apresentado dela ao mundo. Conseqüentemente, a palavra "salvação" tem sido para muitos fonte de vergonha ou até mesmo alvo de ridículo. Devemos resgatá-la desse conceito tacanho com o qual a palavra tem sido com freqüência degradada. Pois "salvação" é uma palavra grande e nobre, como vou demonstrar a seguir. Salvação é liberdade. Sim, e também renovação; em última instância, a renovação do universo inteiro.

Ora, o propósito supremo da Bíblia, Paulo escreve a Timóteo, é instruir seus leitores "para a salvação". Isso indica diretamente que a Escritura tem um propósito prático, e que esse propósito é moral, e não intelectual. Ou, ainda, que a instrução intelectual que ela provê (sua "sabedoria", como indica a palavra grega) visa a uma experiência moral chamada "salvação".

A fim de assimilarmos mais a fundo esse propósito positivo da Bíblia, pode ser útil contrastá-lo com alguns dos propósitos que ela não tem.

Em primeiro lugar, o propósito da Bíblia não é científico. Isso não significa que o ensino da Escritura e o da ciência estejam de alguma forma em conflito um com o outro, pois ao mantermos cada um em sua própria esfera e discernirmos o que cada um está afirmando, eles não estão em conflito. De fato, se o Deus da verdade é autor de ambas, não poderiam estar. Também não quer dizer que as duas esferas nunca se sobreponham e que nada que a Bíblia diga tenha qualquer relevância científica, pois a Bíblia contém proposições que podem ser (e em muitos casos têm sido) comprovadas cientificamente. Por exemplo, nela está registrada uma série de fatos históricos, como Nabucodonosor, rei de Babilônia, ter cercado, ocupado e quase destruído Jerusalém e Jesus de Nazaré ter nascido quando Augusto era o imperador de Roma. O que estou afirmando é que, embora possa conter dados científicos, o propósito da Bíblia não é científico.

A ciência (pelo menos a ciência natural) é um corpo de conhecimento laboriosamente adquirido pela observação, experimentação e indução. O propósito de Deus na Escritura, entretanto, foi revelar verdades que não podem ser descobertas por esse método (chamado pelos cientistas de "método empírico"), coisas que teriam permanecido desconhecidas e encobertas se ele não as tivesse revelado. Por exemplo, a ciência pode ser capaz de dizer alguma coisa sobre nossa origem material (embora até mesmo essa permaneça uma questão aberta); apenas a Bíblia revela nossa natureza, tanto nossa nobreza única na qualidade de criaturas feitas à imagem do Criador quanto nosso estado de degradação como pecadores egoístas revoltados contra nosso Criador.

Em segundo lugar, o propósito da Bíblia não é literário. Há alguns anos foi publicado um livro intitulado The Bible designed to be read as literature. É uma edição primorosa. A disposição tradicional em versículos foi abandonada, e a diagramação indicava claramente o que era poesia e o que era prosa. Tudo isso auxilia. Além disso, ninguém, quaisquer que sejam suas crenças ou descrenças, pode negar que a Bíblia contém de fato literatura admirável. Ela fala sobre os grandes temas da vida e do destino humanos e os trata com simplicidade, discernimento e imaginação. Sua tradução do original foi tão boa que em alguns países, como Inglaterra e Alemanha, a Bíblia tornou-se parte da herança literária nacional. No entanto, Deus não planejou a Bíblia como literatura grandiosa. Ela contém fraquezas estilísticas gritantes. O Novo Testamento foi em grande parte escrito em grego koiné, a linguagem cotidiana do mercado e do trabalho, e muito dele carece de refinamento literário, até mesmo exatidão gramatical. O propósito da Bíblia está em sua mensagem, não em seu estilo.

Em terceiro lugar, o propósito da Bíblia não é filosófico. É evidente que a Escritura contém sabedoria profunda — na verdade, a sabedoria de Deus. Todavia, alguns dos grandes temas que os filósofos têm enfrentado não recebem um tratamento exaustivo na Escritura. Vejamos, por exemplo, o grande problema do sofrimento e do mal. Como fenômenos da experiência humana, são figuras proeminentes na Bíblia. Em quase todas as páginas homens e mulheres pecam, homens e mulheres sofrem. Alguma luz é lançada — de forma suprema na cruz — sobre ambas as questões. Mas nenhuma explicação definitiva é oferecida para qualquer um dos dois, tampouco os caminhos de Deus são justificados em relação a eles, em termos aceitáveis pela filosofia humana. Até mesmo no Livro de Jó, que se concentra no problema do sofrimento, Jó por fim humilha-se diante de Deus sem chegar à compreensão da providência divina. Creio que o motivo é o fato de a Bíblia ser simplesmente um livro mais prático do que teórico. Está mais interessada em nos dizer como suportar o sofrimento e vencer o mal do que em filosofar sobre sua origem e propósito.

A Bíblia não é, portanto, basicamente um livro de ciência, nem de literatura, nem de filosofia, mas de salvação.

Com isso, devemos atribuir à palavra "salvação" o sentido mais amplo possível. A salvação é muito mais do que meramente o perdão dos pecados. Ela inclui o amplo alcance do propósito de Deus de redimir e recuperar a humanidade e, de fato, toda a criação. O que sustentamos a respeito da Bíblia é que ela revela o plano integral de Deus.

Ela começa com a criação, para que possamos saber sobre a semelhança divina em que fomos feitos, as obrigações que repudiamos e as alturas de que caímos. Não somos capazes de entender nem aquilo que somos no pecado nem aquilo que pela graça podemos chegar a ser até que saibamos o que fomos pela criação.

A Bíblia prossegue apresentando-nos a forma como o pecado entrou no mundo e a morte como resultado do pecado. Enfatiza a gravidade do pecado, como revolta contra a autoridade de Deus, nosso Criador e Senhor, e a justiça do julgamento divino contra ele. Há muitas advertências salutares na Escritura sobre os perigos da desobediência.

No entanto, o tema propulsor da mensagem bíblica, como será discutido em profundidade no Capítulo 5, é que Deus ama esses mesmos rebeldes que nada merecem de sua mão a não ser o juízo. Antes que o tempo começasse a correr, diz a Escritura, seu plano de salvação tomou forma. Ele se originou em sua graça, sua livre e imerecida misericórdia. Ele selou com Abraão uma aliança de graça, prometendo por meio de sua posteridade abençoar todas as famílias da Terra. O restante do Antigo Testamento dedica-se a narrar seu relacionamento gracioso com a posteridade de Abraão, o povo de Israel. A despeito de sua obstinada rejeição de sua palavra, como veio até eles por meio da lei e dos profetas, ele em nenhum momento os abandonou. Eles quebraram a aliança, não ele.

A vinda histórica de Jesus foi em cumprimento dessa aliança:

Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, porque visitou e redimiu o seu povo, e nos suscitou plena e poderosa salvação na casa de Davi, seu servo, como prometera, desde a antiguidade, por boca dos seus santos profetas, para nos libertar dos nossos inimigos e das mãos de todos os que nos odeiam; para usar de misericórdia com os nossos pais e lembrar-se da sua santa aliança e do juramento que fez a Abraão, o nosso pai, de conceder-nos que, livres das mãos de inimigos, o adorássemos sem temor, em santidade e justiça perante ele, todos os nossos dias. Lucas 1:68-75

É importante observar que a prometida "salvação dos nossos inimigos" é compreendida em termos de "santidade e justiça" e — mais adiante na mesma passagem — de "redimir [o povo] dos seus pecados, graças à entranhável misericórdia de nosso Deus".

O Novo Testamento, portanto, concentra-se no trabalho dessa salvação, a caminho do "perdão" e da "santidade" por meio da morte e do sacrifício de Jesus e do dom do Espírito Santo. Os apóstolos enfatizam que o perdão é possível apenas pela morte de Cristo levando sobre si os pecados, e um novo nascimento que conduz a uma nova vida é possível apenas por intermédio do Espírito de Cristo. As epístolas, por sua vez, estão cheias de instruções éticas práticas. Conforme 2Timóteo 3:16, a Escritura não é útil apenas "para o ensino, para a repreensão", mas também "para a educação na justiça". As epístolas também apresentam a Igreja de Cristo como a sociedade dos salvos, chamados a uma vida de serviço sacrificial e de testemunho no mundo.

Por fim, os autores do Novo Testamento insistem em que, embora o povo de Deus já tenha sido em certo sentido salvo, em outro sentido sua salvação encontra-se ainda no futuro. É-nos dada a promessa de que um dia nosso corpo será redimido. "Na esperança fomos salvos" (Rm 8:24). E nessa redenção final toda a criação estará de alguma forma envolvida. Se teremos um novo corpo, haverá também um novo céu e uma nova terra permeados apenas pela justiça. Nesse momento, e apenas nele, sem nenhum pecado, quer em nossa natureza, quer em nossa sociedade, a salvação de Deus estará completa. A gloriosa liberdade dos filhos de Deus será a liberdade para servir. Deus será tudo em todos (Rm 8:12; 1Co 15:28).

Essa é a abrangente salvação apresentada na Escritura. Concebida na eternidade passada, alcançada num momento do tempo e historicamente concretizada na experiência humana, ela atingirá a consumação na eternidade do futuro. A Bíblia é única em sua afirmação de instruir-nos para "tão grande salvação" (Hb 2:3).

Cristo na lei

A salvação para a qual a Bíblia nos instrui é acessível "através da fé em Cristo Jesus". Portanto, visto que a Escritura diz respeito à salvação, e a salvação é por intermédio de Cristo, a Escritura está plena de Cristo.

O próprio Jesus compreendia a natureza e a função da Bíblia desta maneira. "As Escrituras", ele disse, "testificam de mim" (Jo 5:39). Em outra ocasião, caminhando com dois de seus discípulos depois da ressurreição, de Jerusalém a Emaús, ele os repreendeu pela incredulidade e falta de sabedoria, em vista do desconhecimento da Escritura. Lucas nos conta a história:

E, começando por Moisés, discorrendo por todos os profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras.
Lucas 24:27

Pouco tempo depois, o Senhor ressuscitado disse a um grupo maior de seguidores:

São estas as palavras que eu vos falei, estando ainda convosco: importava se cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. Lucas 24:44

A afirmação de Cristo era, então, não apenas que a Escritura dava testemunho dele numa forma genérica, mas que em cada uma das três divisões do Antigo Testamento — a Lei, os Profetas e os Salmos (ou "Escrituras") — havia coisas a respeito dele, e que todas deviam cumprir-se.

A relação fundamental entre o Antigo e o Novo Testamento, de acordo com Cristo, é entre promessa e cumprimento. A primeira palavra pronunciada por Jesus em seu ministério público (no texto grego do Evangelho de Marcos) indica isso. A palavra é "cumprido":

O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho. Marcos 1:15

Jesus Cristo estava profundamente convencido de que os longos séculos de espera haviam terminado, e que ele mesmo havia introduzido os dias do cumprimento. Assim podia dizer aos apóstolos:

Bem-aventurados, porém, os vossos olhos, porque vêem; e os vossos ouvidos, porque ouvem. Pois em verdade vos digo que muitos profetas e justos desejaram ver o que vedes e não viram; e ouvir o que ouvis e não ouviram. Mateus 13:16,17

À luz dessa alegação devemos em primeiro lugar observar as três divisões do Antigo Testamento, do Novo Testamento e tentar descobrir de que forma nosso Salvador Jesus Cristo é ele mesmo (em termos de promessa e cumprimento) o tema unificador da Escritura.

"Lei" era usado para referir-se ao Pentateuco, os primeiros cinco livros do Antigo Testamento. Podemos achar realmente Cristo neles? Sim, podemos.

Para começar, eles contêm algumas das promessas fundamentais da salvação por intermédio de Jesus Cristo que dão suporte a todo o restante da Bíblia. Deus prometeu, em primeiro lugar, que a semente de Eva feriria a cabeça da serpente; depois, que por meio da posteridade de Abraão abençoaria todas as famílias da terra; e, mais tarde, que "o cetro não se arredará de Judá (...) até que venha (...); e a ele obedecerão os povos" (Gn 3:15; 12:3; 49:10). Assim, foi revelado — já no primeiro livro da Bíblia — que o Messias seria humano (descendente de Eva) e judeu (descendente de Abraão e da tribo de Judá) e que esmagaria Satanás, abençoaria o mundo e governaria como rei para sempre.

Outra importante profecia a respeito de Cristo na Lei apresenta-o como o Profeta perfeito. Moisés disse ao povo:

O Senhor, teu Deus, te suscitará um profeta do meio de ti, de teus irmãos, semelhante a mim; a ele ouvirás (...) em sua boca porei as minhas palavras, e ele lhes falará tudo o que eu lhe ordenar. Deuteronômio 18:15,18

Não era, porém, apenas por meio de profecias diretas que a Lei apontava para Cristo, mas também por figuras indiretas. Nela o Messias era tanto prenunciado quanto predito. Na verdade, a conduta de Deus com relação a Israel, ao escolhê-los, redimi-los, estabelecer uma aliança com eles, prover a remissão de seus pecados pelo sacrifício e levá-los a herdar a terra de Canaã, tudo isso apresentava em termos limitados e locais o que um dia seria acessível a todos os povos por intermédio de Cristo. Os cristãos hoje podem dizer: Deus nos escolheu em Cristo e fez de nós um povo de sua propriedade particular. Jesus derramou seu sangue como remissão por nossos pecados e para ratificar a nova aliança. Ele nos redimiu não do cativeiro egípcio, mas do cativeiro do pecado. É nosso grande sumo sacerdote que ofereceu a si mesmo na cruz, como sacrifício único e eterno pelos pecados, e todo o sacerdócio e sacrifício são cumpridos juntamente nele. Além disso, por sua ressurreição, somos nascidos de novo para uma viva esperança, "para uma herança incorruptível, sem mácula, imarcescível", reservada nos céus para nós (1Pe 1:3,4). Essas grandiosas palavras cristãs, que descrevem diversos aspectos de nossa salvação por meio de Jesus Cristo — eleição, remissão, aliança, redenção, sacrifício, herança —, começaram todas a ser usadas no Antigo Testamento referindo-se à graça de Deus direcionada a Israel.

Existe ainda uma terceira maneira pela qual a Lei dá testemunho de Cristo. Ela é descrita pelo apóstolo Paulo na Epístola aos Gálatas:

Antes que viesse a fé, estávamos sob a tutela da lei e nela encerrados, para essa fé que, de futuro, haveria de revelar-se. De maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé. Gálatas 3:23,24

A lei é descrita vividamente pelas palavras gregas utilizadas por Paulo, tais como as que representam o confinamento sob uma guarnição militar ("estávamos sob a tutela") e um tutor encarregado de disciplinar menores ("serviu de aio"). Tudo isso porque a lei moral condenava o transgressor sem oferecer em si mesma nenhum remédio. Nesse sentido, ela apontava para Cristo. A própria condenação que ela implicava tornava Cristo necessário. Ela nos mantinha em cativeiro a fim de "nos conduzir a Cristo", o único que poderia nos salvar. Somos condenados pela lei, mas justificados pela fé em Cristo.

Cristo nos profetas

Ao nos voltarmos agora da Lei para os Profetas, devemos ter em mente que a divisão do Antigo Testamento conhecida como "os Profetas" incluía os livros históricos (Josué, Juízes, Samuel e Reis) com o nome de "profetas anteriores", porque se julgava que seus autores haviam escrito história profética ou sacra, bem como os "profetas posteriores", que costumamos dividir em profetas maiores e menores.

Muitos leitores da Bíblia consideram a história de Israel extremamente tediosa e não conseguem imaginar como todos aqueles reis deprimentes podem ter alguma coisa a ver com Cristo. Quando recordamos, no entanto, que as primeiras palavras de Jesus sobre "o tempo está cumprido" foram imediatamente seguidas por "o reino de Deus está próximo", encontramos na palavra "reino" a pista de que precisamos. Israel começou como uma teocracia, uma nação sob o governo direto de Deus. Até mesmo quando o povo rejeitou o governo de Deus exigindo um rei, como as outras nações, e Deus concedeu o que eles pediam, as pessoas sabiam que ele permanecia em última instância seu Rei, pois continuavam a ser seu povo, e seus reis reinavam, por assim dizer, como regentes dele.

O governo dos reis, tanto no reino do norte, Israel, quanto no reino do sul, Judá, deixou, no entanto, muito a desejar. A monarquia foi prejudicada externamente por guerras com outras nações e internamente pela injustiça e opressão. Ambos os reinos tinham também a instabilidade inerente a todas as instituições humanas, à medida que um rei após o outro subia ao trono, reinava e morria. Por vezes eles se viam ainda reduzidos a territórios minúsculos, como resultado da ocupação de exércitos invasores, até que por fim ambas as capitais foram ocupadas, e as duas nações sofreram humilhante exílio. Não é de admirar que Deus tenha usado a experiência daquelas pessoas com as limitações do governo humano a fim de esclarecer a compreensão delas a respeito da perfeição do reino messiânico futuro e reforçar o anseio delas por ele.

Deus já havia feito com o rei Davi uma aliança de que edificaria para ele uma casa e por meio de sua posteridade confirmaria seu trono para sempre (2Sm 7:8-17). Agora os profetas começaram a descrever o que incorporaria os ideais de realeza que os reis de Israel e Judá, e até mesmo o próprio Davi, haviam prenunciado de forma tão imperfeita. Em seu reino a opressão daria lugar à justiça, a guerra à paz. Não haveria além disso limite para sua extensão e duração, pois seu domínio se estenderia de um mar a outro, até os confins da Terra, e duraria para sempre. Essas quatro características do reino do Messias — paz, justiça, universalidade e eternidade — estão reunidas numa das mais famosas profecias de Isaías:

Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz; para que se aumente o seu governo, e venha paz sem fim sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, para o estabelecer e o firmar mediante o juízo e a justiça, desde agora e para sempre. O zelo do Senhor dos Exércitos fará isto. Isaías 9:6,7

Se, por um lado, os profetas predisseram a glória do Messias, profetizaram também seus sofrimentos. A mais conhecida dessas profecias, obviamente fundamental para a compreensão que o próprio Senhor fazia de seu ministério, é aquela que descreve o Servo sofredor em Isaías 53. Ele seria "desprezado e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o que é padecer" (v. 3). Acima de tudo, ele levaria os pecados de seu povo:

Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados. Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo caminho, mas o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos. Isaías 53:5,6

Cristo nas "Escrituras"

A terceira divisão do Antigo Testamento eram as "Escrituras", algumas vezes chamadas de "Salmos", porque o Saltério (nosso Livro de Salmos) era o principal livro dessa divisão. Diversos salmos são aplicados a Jesus no Novo Testamento, salmos que fazem referência a sua divindade, humanidade, sofrimentos e exaltação. Assim as palavras "Tu és meu Filho, eu, hoje, te gerei" foram usadas (pelo menos em parte) por Deus o Pai ao dirigir-se a seu Filho tanto no batismo quanto na transfiguração. A alusão do Salmo 8 de que o homem foi feito "por um pouco, menor do que Deus [ou os anjos]" e coroado "de glória e de honra", é aplicada a Cristo pelo autor da Epístola aos Hebreus. O próprio Jesus citou o Salmo 22:1 na cruz: "Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?", afirmando assim que havia experimentado e cumprido pessoalmente o terrível abandono da parte de Deus que o salmista havia expressado. Ele citou também a frase de Davi no Salmo 110:1: "Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés", e perguntou a seus críticos como Davi podia ser ao mesmo tempo Senhor de Davi e filho de Davi.

As "Escrituras" contêm ainda aquilo que é conhecido como a literatura de sabedoria do Antigo Testamento. Os "sábios" parecem ter se tornado um grupo distinto em Israel no período tardio da monarquia, ao lado dos profetas e sacerdotes. Eles sabiam que o princípio da sabedoria era temer a Deus e apartar-se do mal. Eles com freqüência louvavam a sabedoria em termos apaixonados, como mais preciosa do que ouro, prata e jóias, e ocasionalmente chegavam a personificar a sabedoria como agente na criação de Deus.

Quando ele preparava os céus, aí estava eu; quando traçava o horizonte sobre a face do abismo; quando firmava as nuvens de cima; quando estabelecia as fontes do abismo; quando fixava ao mar o seu limite, para que as águas não traspassassem os seus limites; quando compunha os fundamentos da terra; então, eu estava com ele e era seu arquiteto, dia após dia, eu era as suas delícias, folgando perante ele em todo o tempo; regozijando-me no seu mundo habitável e achando as minhas delícias com os filhos dos homens. Provérbios 8:27-31

Os cristãos não têm dificuldade em reconhecer que essa sabedoria de Deus é incorporada de forma única em Jesus Cristo, o "Verbo" pessoal que estava no princípio com Deus e por intermédio de quem todas as coisas foram feitas (v. Jo 1:1-3; Cl 2:3).

A expectativa de Cristo lançada pelo Antigo Testamento — na Lei, nos Profetas e nas Escrituras — é vista como extremamente diversificada. O próprio Jesus resumiu-a na abrangente pergunta: "Porventura, não convinha que o Cristo padecesse e entrasse na sua glória?" (Lc 24:26). O apóstolo Pedro retomou a frase, admitindo que os profetas não haviam chegado a compreender por completo "qual a ocasião ou quais as circunstâncias oportunas, indicadas pelo Espírito de Cristo, que neles estava, ao dar de antemão testemunho sobre os sofrimentos referentes a Cristo e sobre as glórias que os seguiriam" (1Pe 1:11). Essa dupla linha de profecia, porém, estava lá, apresentando-o como o sacerdote que ofereceria a si mesmo como sacrifício pelo pecado e como o rei cujo glorioso reino não conheceria fim.

Na verdade, outra maneira de resumir o testemunho do Antigo Testamento a respeito de Cristo é dizendo que ele o descreve como um profeta maior que Moisés, um sacerdote maior que Arão e um rei maior que Davi. Quer dizer, alguém que revelará Deus ao homem de forma perfeita, reconciliará o homem com Deus e governará o homem em nome de Deus. Nele os ideais de profecia, sacerdócio e realeza do Antigo Testamento encontram seu cumprimento final.

Cristo no Novo Testamento

Se a idéia de descobrir Cristo no Antigo Testamento parece à primeira vista estranha, não há a mesma dificuldade em encontrá-lo no Novo Testamento. Nos Evangelhos — cada um com seu ponto de vista particular, como veremos no Capítulo 4 — encontramos a história do nascimento, da vida, morte e ressurreição de Cristo, junto com uma amostra do que ele disse e fez.

Essas "memórias dos apóstolos", como costumavam ser chamadas pela Igreja primitiva, passaram a ser chamadas com acerto de "Evangelhos", pois cada evangelista conta sua história sob a forma de "evangelho" — boa nova — a respeito de Cristo e sua salvação. Eles não o apresentam como um biógrafo faria. Eles são essencialmente testemunhas, dirigindo a atenção dos leitores para aquele que eles criam ser o homem-Deus, nascido para salvar seu povo dos pecados, cujas palavras eram de vida eterna, cujas obras representavam de forma dramática a glória de seu reino, que morreu como resgate pelos pecadores e ressurgiu em triunfo para ser Senhor de todos.

Você poderia talvez pensar que os Atos dos Apóstolos, que contam a história dos primeiros dias do cristianismo, sejam mais sobre a Igreja do que sobre Cristo. Essa na verdade seria uma representação inadequada da sua natureza. Seu autor, Lucas, tinha uma ênfase diferente. Ao apresentar a obra para Teófilo (para quem está escrevendo), ele descreve seu primeiro livro (o Evangelho de Lucas) como contendo "todas as coisas que Jesus começou a fazer e ensinar". A implicação é que a história de Atos conta tudo o que Jesus continuou a fazer e ensinar por meio de seus apóstolos. Em Atos, portanto, podemos ouvir Cristo como se ele estivesse ainda falando aos homens, embora agora por intermédio dos grandes sermões dos apóstolos Pedro e Paulo registrados por Lucas. Vemos também os milagres que ele fez por meio deles, pois "muitos prodígios e sinais eram feitos por intermédio dos apóstolos" no nome e com o poder de Jesus Cristo (At 2:43). Assistimos a Cristo edificar sua própria Igreja ao acrescentar convertidos a ela:

Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos. Atos 2:47

As epístolas estendem o testemunho do Novo Testamento a respeito de Cristo, deixando ainda mais clara a glória de sua pessoa humana-divina e obra salvífica e estabelecendo uma relação entre ele e a vida do cristão e da Igreja. Os apóstolos exaltam Cristo como aquele em quem "aprouve a Deus residisse toda a plenitude", e por meio de quem nós mesmos temos "plenitude em Cristo" (Cl 1:19; 2:9,10). Em Cristo, eles dizem: Deus "nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual", para que sejamos capazes de fazer todas as coisas por meio daquele que nos fortalece interiormente (Fp 4:13). O Cristo que os apóstolos apresentam é plenamente suficiente, capaz de salvar no mais amplo sentido e para todos os tempos "os que por ele se chegam a Deus" (Hb 7:25).

A exposição bíblica de Cristo chega ao clímax no Apocalipse de João. Ele é apresentado nas eloqüentes representações visuais que caracterizam o livro. Primeiro ele aparece como um homem glorificado "entre os castiçais" — que representam as igrejas, as quais o Cristo ressurreto ocupa-se em patrulhar e supervisionar, de forma a ser capaz de dizer a cada uma: "Conheço as tuas obras" (Ap 2:3). A cena transfere-se então da terra para o céu, e Jesus Cristo aparece como "um Cordeiro, como tendo sido morto". Diz-se da incontável multidão internacional dos remidos que eles "lavaram suas vestiduras e as alvejaram no sangue do Cordeiro", pelo que João quer dizer que devem sua justiça apenas ao Cristo crucificado (Ap 5:6; 7:14). Em seguida, perto da conclusão do livro, Cristo é visto como um majestoso cavaleiro num cavalo branco, saindo para julgar com seu nome escrito sobre si mesmo: "Rei dos reis e Senhor dos senhores" (Ap 19:11-16). Por fim, somos apresentados a ele como o Noivo Celestial, pois, ouvimos, "são chegadas as bodas do Cordeiro, cuja esposa a si mesma já se ataviou". Sua noiva é a Igreja glorificada, que é vista em seguida "[descendo] do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo" (Ap 19:7-9; 21:2). Praticamente as últimas palavras do Apocalipse são: "O Espírito e a noiva dizem: Vem! Aquele que ouve diga: Vem! (...) Vem, Senhor Jesus!" (Ap 22:17,20).

Há enorme diversidade de conteúdo, estilo e propósito entre os livros da Bíblia, e em alguns deles o testemunho sobre Jesus é indireto, até mesmo oblíquo. Mas essa breve visão geral do Antigo e do Novo Testamentos deve ser suficiente para demonstrar que "o testemunho de Jesus é o espírito da profecia" (Ap 19:10). Se quisermos conhecer Cristo e sua salvação, é para a Bíblia que devemos nos voltar — pois a Bíblia é o retrato que o próprio Deus faz de Jesus Cristo. Não podemos jamais chegar a conhecê-lo de outra forma. Conforme disse Jerônimo no século iv: "Ignorância das Escrituras é ignorância de Cristo".

Da mesma forma que numa caça ao tesouro infantil, em que a pessoa às vezes tem bastante sorte e logo depara com o tesouro, mas com maior freqüência tem de seguir laboriosamente uma pista atrás da outra, até que por fim encontre o tesouro, assim acontece com a leitura da Bíblia. Alguns versículos apontam diretamente para Cristo. Outros são pistas remotas. Uma exaustiva perseguição dessas pistas vai, no entanto, conduzir inevitavelmente o leitor àquele tesouro inestimável.

Pela fé

As Escrituras "podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus", escreveu Paulo (2Tm 3:15). Visto que seu propósito (ou o propósito do autor divino, que falou e fala por meio delas) é levar-nos à salvação e que a salvação está em Cristo, elas apontam para Cristo, como vimos. Mas seu objetivo ao apontar para Cristo não é simplesmente para que possamos conhecê-lo ou compreendê-lo, nem mesmo para que passemos a admirá-lo, mas para que coloquemos nossa confiança nele. As Escrituras testemunham Cristo não para satisfazer nossa curiosidade, mas para extrair de nós uma resposta de fé.

Há muito equívoco na compreensão a respeito da fé. É comum supor-se que ela seja um salto no escuro, completamente incompatível com a razão. Não é assim. A verdadeira fé nunca é irrazoável, porque seu objeto é sempre digno de confiança. Quando nós, seres humanos, confiamos uns nos outros, a racionalidade de nossa confiança depende da confiabilidade relativa das pessoas em questão. A Bíblia, no entanto, testemunha Cristo como inteiramente digno de confiança. Ela nos conta quem ele é e o que ele fez, e a evidência que ela provê em favor de sua pessoa e obra únicas é convincente ao extremo. À medida que nos expomos ao testemunho bíblico a respeito desse Cristo, e à medida que sentimos seu impacto — profundo e ainda assim simples, diversificado mas ainda assim unânime —, Deus cria a fé dentro de nós. Recebemos o testemunho. Cremos.

Era isso o que Paulo tinha em mente quando escreveu:

E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo. Romanos 10:17

Vimos que o propósito de Deus na Bíblia e por meio dela é rigorosamente prático. Ele a estabeleceu como seu instrumento principal a fim de trazer as pessoas para a "salvação", entendida em seu mais amplo e completo sentido. A Bíblia inteira é um evangelho de salvação, e o evangelho é "o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê" (Rm 1:16). Ela então aponta seus muitos dedos inequivocadamente para Cristo, de modo que seus leitores o vejam, creiam nele e sejam salvos.

O apóstolo João escreve algo bem parecido no final de seu Evangelho. Ele havia registrado apenas uma seleção dos sinais de Jesus, diz ele, pois Jesus havia realizado muitos outros. Ele prossegue:

Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome. João 20:31

João vê o propósito último da Escritura ("o que foi registrado") da mesma forma que Paulo vê. João o chama de "vida", Paulo, de "salvação", mas as palavras são quase sinônimas. Os dois apóstolos concordam ainda que esta vida ou salvação está em Cristo, e que para recebê-la devemos crer nele. Ambos apresentam exatamente a mesma seqüência de passos: Escritura — Cristo — fé — salvação. A Escritura testifica de Cristo, a fim de evocar a fé em Cristo, de modo a produzir vida naquele que crê.

A conclusão é simples. Sempre que lemos a Bíblia devemos procurar por Cristo. E devemos continuar procurando até que o vejamos e creiamos. Apenas à medida que continuarmos a nos apropriar pela fé das riquezas de Cristo que nos são reveladas na Escritura poderemos crescer rumo à maturidade espiritual e nos tornarmos homens e mulheres de Deus "perfeitamente habilitados para toda boa obra" (2Tm 3:17).

STOTT, John. Entenda a Bíblia. Editora Mundo Cristão.