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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011
Em minha resposta ao seu artigo "Profeta Neemias dá 'puxão de orelhas' no blogueiro Clóvis", desconsiderarei completamente às referências ao meu nome. Fazendo isso, reduzo seu texto pela metade e ganho tempo e espaço. Além disso, se Davi era uma pulga, quem sou para ser caçado por alguém que se diz bom de mira? A propósito, quando for falar de mim, me convide. Sei horrores ao meu respeito e posso lhe oferecer subsídios que nem imagina. Não confie no Diabo para isso, apesar de ser meu acusador, ele não sabe da missa a metade.
Começando pelo título, Neemias não me dá um "puxão de orelha". Na verdade, a Palavra de Deus é martelo e fogo, ela me deixa moído e queimado quando fala comigo. E relendo o livro de Neemias, como costumo fazer, não senti minhas orelhas puxadas. Senti-me envergonhado por estar tão longe do exemplo de Neemias, que em circunstâncias tão mais adversas da minha fez o que fez. Tivesse ele puxado minha orelha e teria me sentido honrado, mas fez mais que isso, então sou grato. E por levar-me a reler esse livro, sou-lhe grato também.
Puxões de orelha e quebrantamento à parte, será que Neemias contradiz a doutrina calvinista da predestinação ou substancia a teoria humanista do livre-arbítrio? Será que encontramos nesse livro que (1) Deus predestinou a humanidade inteira para a salvação e que (2) o homem pelo livre-arbítrio rejeita essa predestinação, que é seu ensino tão esdrúxulo que até adventistas o rejeitam? A resposta é não, pelo menos até que me mostre onde isso é ensinado. Além disso, não devemos usar um livro bíblico fora dos propóstos para o qual ele foi escrito. E o livro de Neemias não foi escrito, nem para ensinar a predestinação, nem para defender o livre-arbítrio.
Apesar disso, a passagem que o irmão cita (Ne 9:17-8,29), no que respeita à natureza humana está em perfeita harmonia com a doutrina calvinista. A passagem diz que os homens "recusaram ouvir-te", "não se lembraram das tuas maravilhas", "endureceram a sua cerviz", "na sua rebelião levantaram um chefe", "fizeram para si um bezerro de fundição", "cometeram grandes blasfêmias”, "se houveram soberbamente", "não deram ouvidos aos teus mandamentos", "pecaram contra os teus juízos", "obstinadamente deram de ombros", "endureceram a cerviz" e "não quiseram ouvir”. Esta é a descrição do homem separado da graça de Deus: só pode pecar e de fato peca! É a doutrina calvinista da depravação total sendo expressa em termos inequívocos. Daí inferir que Deus não os predestinou ou que eles poderiam por si mesmos serem justos diante de Deus é eisegese despropositada. E aqui acabam seus argumentos bíblicos, os demais não interessam.
Mas vou fazer uma apresentação positiva do propósito e do ensino de Neemias, antes porém, deixe-me falar de sua atitude preventiva quanto a uma eventual contra-argumentação bíblica. O irmão faz Neemias dizer "espero que não me cite Romanos 9" e "espero também que não use outros profetas bíblicos para me contradizerem". É um absurdo pensar que um autor bíblico diria uma coisa dessas. Na falta de um termo melhor, digo que isso é covardia exegética/hermenêutica, não de Neemias que não temia Sambalates e Tobias, mas seu, que teme Sola et Tota Scriptura. Mas vou tranquilizá-lo: não recorrerei a Paulo e a outros profetas, exceto Esdras, pela razão que se segue.
Originalmente, Esdras e Neemias eram um único livro, mui provavelmente escrito pelo primeiro. Assim, os dois livros apresentam uma unidade de tema e propósito e devem ser considerados em conjunto. O tema de Esdras-Neemias é a restauração realizada por Deus da comunidade de Judá como o povo fiel da aliança. E aqui vemos manifesta a absuluta soberania de Deus, inclusive no coração do homem, pois todo o processo é atribuído a Deus e não ao homem. Deus está controlando todos os acontecimentos segundo a sua vontade e o homem, pelo seu pretenso livre-arbítrio, nada faz, senão pecar.
Esdras-Neemias não relata milagres exteriores, mas Deus age no coração dos homens, ímpios e fiéis, levando-os a cumprir seu propósito. Primeiro "o Senhor despertou o coração de Ciro, rei da Pérsia, para redigir uma proclamação e divulgá-la em todo o seu reino" (Ed 1:1) para incentivar o retorno dos exilados. Depois, "pôs no coração do rei o propósito de honrar desta maneira o templo do Senhor em Jerusalém, e que, por sua bondade, levou o rei, os seus conselheiros e todos os seus altos oficiais. Como a mão do Senhor meu Deus esteve sobre mim, tomei coragem e reuni alguns líderes de Israel para me acompanharem" (Ed 7:27-28), assim "o Senhor os enchera de alegria ao mudar o coração do rei da Assíria, de maneira que ele lhes deu força para realizarem a obra de reconstrução do templo de Deus, do Deus de Israel" (Ed 6:22).
Mais adiante, Neemias executa sua missão pela ação poderosa de Deus no coração das pessoas. Ele pede "faze prosperar hoje o teu servo, e dá-lhe graça perante este homem" (Ne 1:11) pois sabia que Deus controla o coração do homem. E de fato "o rei mas deu, segundo a boa mão de Deus sobre mim" (Ne 2:8). A sua confiança era a de que "o Deus dos céus é o que nos fará prosperar" (Ne 2:20) pelo seu soberano controle. Quando finalmente o muro estava pronto, até os inimigos glorificaram a Deus "porque reconheceram que o nosso Deus fizera esta obra" (Ne 6:16). Antes os inimigos haviam dito "pois que construam! Basta que uma raposa suba lá, para que esse muro de pedras desabe!" (Ne 4:3). Esdras-Neemias confirma que "o coração do rei é como um rio controlado pelo Senhor; ele o dirige para onde quer" (Pv 21:1).
Mas o coração do povo de Deus também está sob seu controle. Após o decreto do rei, "todos aqueles cujo coração Deus despertou, dispuseram-se a ir para Jerusalém e a construir o templo do Senhor" (Ed 1:5). É certo que muitos ficaram, escolheram não ir, mas aqueles que foram despertados por Deus foram e fizeram a obra, reconhecendo que "a bondosa mão de Deus estava sobre nós" (Ed 8:18). A reforma religiosa também começou com um "então o meu Deus me pôs no coração que ajuntasse os nobres, os magistrados e o povo" (Ne 7:5).
Por isso que a oração não começa com destaque para a vontade do homem, mas com glorificação ao Deus que elege "Só tu és o Senhor. Fizeste os céus, e os mais altos céus, e tudo que neles há, a terra e tudo o que nela existe, os mares e tudo o que neles existe. Tu deste vida a todos os seres, e os exércitos dos céus te adoram. Tu és o Senhor, o Deus que escolheu Abrão, trouxe-o de Ur dos caldeus e deu-lhe o nome de Abraão" (Ne 9:1-2). Não foi pela obediência do povo, mas pela misericórdia de Deus que foram preservados, pois "quando fundiram para si um ídolo na forma de bezerro e disseram: ‘Este é o seu deus, que os tirou do Egito’, ou quando proferiram blasfêmias terríveis. Foi por tua grande compaixão que não os abandonaste no deserto" (Ne 9:17-18). "Graças, porém, à tua grande misericórdia, não os destruíste nem os abandonaste, pois és Deus bondoso e misericordioso" (Ne 9:31) e "agiste com lealdade mesmo quando fomos infiéis" (Ne 9:33) foi o reconhecimento deles e deve ser o nosso.
Concluindo, Esdras-Neemias ensinam (1) a soberania de Deus inclusive no coração de todos os homens, ímpios ou crentes, (2) a completa incapacidade do homem sem esse agir de Deus e (3) a bondade de Deus em restaurar seu povo quando peca, movido por misericórdia e compaixão, de forma que (4) toda honra e toda a glória é devida somente a Deus. Basicamente, isso é calvinismo, o mesmo calvinismo chamado de diabólico em seu artigo.
Soli Deo Gloria
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