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quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
Ao mesmo tempo em que se preocupava com a expansão do movimento, Calvino desejava manter a unidade da igreja reformada. Calvino sempre se demonstrou solícito em dialogar e buscar a unidade dos protestantes. Em várias de suas cartas, Calvino demonstra o desejo de ver as igrejas reformadas unidas, encontrando um caminho para o diálogo entre as várias vertentes e cidades sob a Reforma. Quando foi convidado pelo arcebispo Cranmer para uma reunião para tratar a respeito das divergências da Ceia do Senhor, com o objetivo de fazer um credo que fosse consensual para as igrejas reformadas, em sua resposta, a certa altura, Calvino disse: “Estando os membros da igreja divididos, o corpo sangra. Isso me preocupa tanto que, se pudesse fazer algo, eu não me recusaria a cruzar até dez mares, se necessário fosse, por essa causa” (1980, págs. 132-133). Anteriormente, ele já havia dito que os zwinglianos e os luteranos tinham errado em não entrar num acordo sobre esse tema. Ele comentou: “Erraram em não ter paciência para escutar-se a fim de seguir a verdade sem parcialidade, onde quer que se encontrasse”

É claro que não se faria justiça ao ensino do reformador se fosse dito que ele era um ecumênico nos termos atuais. Calvino foi um reformador, ele criou uma igreja separada de Roma e não tinha a menor intenção de se reconciliar com o papado. Calvino tinha uma fixação pela verdade e um rigor pela precisão doutrinária. Ele com certeza não estava disposto a sacrificar a verdade pela unidade, porém, segundo Leith, dentro do possível, ele poderia até admitir alguns erros doutrinários menores dos outros para manter a unidade. É claro que desde que não comprometesse o todo e não fossem assuntos referentes à salvação. Calvino entendia que uma igreja que mantivesse razoavelmente a pregação da Palavra e a administração dos sacramentos, mesmo que tivesse alguns problemas e pequenos desvios teológicos, ainda deveria ser considerada como verdadeira. Ele escreveu:

Pois se mantém o ministério da Palavra, tendo-a em alta estima, e tem a administração dos sacramentos, deve-se ter por igreja de Deus. Porque é certo que a Palavra e os sacramentos não podem existir sem produzir fruto. Desta maneira conservaremos a união da igreja universal (Institutas, IV, 1,9).

Logo em seguida ele repete a mesma ideia com mais detalhes:

É certo que onde quer que se escute com reverência a pregação do Evangelho e não se menospreza os sacramentos, ali há uma forma de igreja, de que se não pode duvidar, e não é lícito menosprezar a sua autoridade, ou fazer caso omisso de suas admoestações, nem contradizer seus conselhos, ou burlar suas correções. Muito menos será lícito afastar-se dela e romper sua união (Institutas, IV, 1,10).

Por outro lado, enfatizou que se uma igreja “pretende ser reconhecida como igreja não se pregando nela a Palavra de Deus, nem se administrando seus sacramentos, não tenhamos menor dificuldade de fugir de tal temeridade e soberba para não ser enganados com tais embustes” (Institutas, IV, 1,11). Calvino sabia fazer distinção entre assuntos principais e assuntos secundários. Ele escreveu:

Porque nem todos os artigos da doutrina de Deus são de uma mesma espécie. Há alguns tão necessários que ninguém os pode pôr em dúvida como primeiros princípios da religião cristã. Tais são, por exemplo: que existe um só Deus; que Jesus é Deus e Filho de Deus; que nossa salvação está só na misericórdia de Deus. E assim outras semelhantes. Há outros pontos em que não concordam todas as igrejas e, contudo, não rompem a união da igreja. Assim, por exemplo, se uma igreja sustém que as almas são transportadas ao céu no momento de separar-se de seus corpos, e outra, sem se atrever a determinar o lugar, diz simplesmente que vivem em Deus, quebrariam estas igrejas entre si o amor e o vínculo da união, se esta diversidade de opinião não fosse por polêmica ou por obstinação? (Institutas, IV, 1,12).

Nisso, é possível perceber que Calvino estava disposto a tolerar divergência de opiniões, desde que não comprometessem o ensino central a respeito da salvação e dos meios de graça. Ele obviamente achava que as polêmicas causavam mais prejuízos, por isso admoestou os fiéis a se manter unidos na igreja:

É verdade que é muito melhor estar de acordo em tudo e por tudo; mas dado que não há ninguém que não ignore alguma coisa [nuvenzinha de ignorância], ou não poderemos aceitar nenhuma igreja, ou perdoaremos a ignorância aos que faltam em coisas que podem ignorar sem perigo algum para a salvação e sem violar nenhum dos pontos principais da religião cristã. Não é meu intento sustentar aqui alguns erros, por pequenos que sejam, nem quero mantê-los dissimulados e fazendo como se não os visse. O que defendo é que não devemos abandonar por qualquer dissensão uma igreja que guarda em sua pureza e perfeição a doutrina principal de nossa salvação e administra os sacramentos como o Senhor os instituiu. Do mesmo modo, se procuramos corrigir o que ali nos desagrada, cumprimos com nosso dever (Institutas, IV, 1,12).

Calvino estava disposto até a tolerar certas “extravagâncias” litúrgicas para o bem da unidade da igreja, como parte das cerimônias da igreja anglicana que ele considerava “toleráveis” (1980). Seu resumo de tudo isso é: “Quero dizer em poucas palavras que, ou renunciamos à comunhão da igreja, ou se permanecemos nela, não perturbemos a disciplina que possui” (Institutas, IV, 1,12).

Calvino adverte severamente contra aqueles que procuravam encontrar divisões nas igrejas a partir de um zelo irrefletido:

Este grande rigor e severidade, na maioria das vezes, nasce da soberba, arrogância e falsa santidade; não de verdadeiro nem de autêntico zelo dela [...]. Os homens malignos que por desejo de polêmica, mais que por ódio que podem ter contra os vícios, se esforçam em atrair a si os simples, ou em dividi-los, estão inchados de altivez, transbordando de obstinação, astutos para caluniar, ardendo em sedições, e pretendendo usar de severidade para que todo mundo creia que eles possuem a verdade; abusam para conseguir seus cismas e divisões na igreja, enquanto que a Escritura nos manda ter moderação e prudência na correção das faltas dos irmãos com amor sincero e união de paz (Institutas, IV, 1,16).

Sua conclusão novamente é curta e clara: “E finalmente, tenham em conta que, quando se trata de discernir se uma igreja é de Deus ou não, o juízo de Deus deve ser preferido ao dos homens” (Institutas, IV, 1,16).

Calvino fazia uma distinção entre a igreja visível e a igreja invisível. A igreja invisível era composta de todos os crentes verdadeiros em todas as eras, inclusive os que já estavam no céu. A igreja visível, entretanto, não era perfeita, pois havia muitos hipócritas nela que, segundo Calvino, “de Cristo não tinham outra coisa senão o nome e a aparência” (IV, 1,7). Assim, Calvino concluía que: “Da mesma maneira que estamos obrigados a crer na igreja invisível para nós e conhecida somente de Deus, também se nos manda que honremos esta igreja visível e que nos mantenhamos em sua comunhão” (IV, 1,7).

Isso o ajudava a entender as imperfeições na igreja visível e a tolerá-las. Uma questão importante é que a “igreja” para Calvino e para os reformadores não era uma instituição definida em termos denominacionais, como se entende hoje, antes eles a definiram “em termos de ação de Deus no mundo e sacramento, e não em termos de estruturas ou de doutrina correta”. Assim, segundo Leith, este conceito de igreja permitiu que as comunidades reformadas reconhecessem os ministros, sacramentos e membros de outras igrejas. Nenhuma das principais comunidades cristãs tem sido mais ecumênica nesse sentido, ou mais aberta no reconhecimento de outros membros, sacramentos e ministérios cristãos.

Portanto, vemos em Calvino uma mistura de precisão doutrinária e tolerância, um zelo por pureza e expansão da igreja, que não foi comum encontrar em outros líderes religiosos da história.

Leandro Antonio de Lima
In: O futuro do calvinismo, Editora Cultura Cristã

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