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terça-feira, 19 de junho de 2012
Todos os meses os negociadores de Wall Street esperam, com o fôlego suspenso, os números atualizados do problema sorrateiro da inflação. Mas um problema oposto atinge os escritores: a moeda das palavras sofre, há séculos, uma deflação inexorável. Ao estudar-se Etimologia, mesmo superficialmente, é possível verificar o fenômeno, num padrão contínuo: palavras perdendo seu sentido com o passar do tempo. Elas regridem, raramente progridem. 

Tomemos como exemplo tolo. Ninguém deseja ser chamado de tolo, que significa insensato, ridículo. Ironicamente, a palavra original significava uma pessoa feliz, abençoada com boa sorte. De modo semelhante, a palavra idiota era um derivado respeitável de um termo grego que descrevia uma pessoa peculiar em determinado sentido, reservada e não conformista. Com o passar do tempo a palavra tornou–se tão peculiar (outro termo que sofreu deflação), que ninguém quer ser um idiota. 

Ou então pense em sincero. Há divergência entre os estudiosos, mas alguns acreditam que esta palavra deriva do uso feito por escultores da frase latina sin cera que significa, é claro, "sem cera". Algumas vezes a pessoa que trabalhava o mármore usava, com habilidade, a cera para remendar pequenos riscos ou arranhaduras em sua obra de arte. Um trabalho sem falhas, honesto, que não requeria estes disfarces, era chamado de sin cere, sem cera. Hoje, em dia, porém, vendedores e políticos contratam consultores para aprenderem a parecer "sinceros". A sinceridade transformou–se em um tipo de imagem, característica menor, adquirida, que não guarda qualquer relação com o que realmente se passa no interior inseguro e duvidoso da pessoa. 

A deflação das palavras constitui–se em um enorme problema para os escritores, pastores e todos quantos delas dependem para expressar idéias cristãs, já que os termos teológicos perderam tanta força quanto os outros. Por que tantas novas versões da Bíblia surgiram neste século? As boas e velhas palavras de João Ferreira de Almeida não se mantiveram intactas em nossa era de deflação lingüística. 

Por exemplo: pena significava misericórdia ou clemência. É um termo derivado da mesma raiz de "piedade", e descrevia alguém que, como Deus, estendia sua mão para ajudar os menos afortunados. Com o passar do tempo, a ênfase passou do doador para o objeto da pena, visto como fraco ou inferior. Deterioração semelhante aconteceu com caridade. Quando os tradutores da Bíblia avaliaram o conceito de amor ágape, expresso com tanta eloqüência em I Coríntios 13, decidiram adotar "caridade" para transmitir a forma mais elevada de amor. Mas que tristeza, ambas palavras desvalorizaram–se tremendamente. As pessoas que tentavam demonstrar pena ou caridade aparentemente não estavam à altura dos padrões elevados de suas palavras, e a língua adaptou–se à situação. Hoje ouvem–se protestos: "Não tenha pena de mim!" e "Não quero sua caridade!" 

Dentre as palavras que sofreram deflação, minha predileta é cretino. Na Medicina, o cretinismo descreve uma condição grotesca de deficiência da tireóide, e os sintomas são o crescimento atrofiado, deformidade, bócio, pele escamosa e (ai!) idiotia. Esta deficiência foi identificada pela primeira vez nos Alpes e nos Pirinéus, onde a água de beber não continha iodo suficiente. Gradualmente, a palavra cretino passou a abarcar "qualquer pessoa com uma deficiência mental perceptível". E esta injúria completa derivou do termo latino christianus. Ai, ai, este assunto de etimologia está chegando perto demais de nós. 

As poucas palavras santificadas que restaram foram contaminadas no uso moderno. Ouça algumas músicas populares sobre o amor, e tente encontrar alguma semelhante entre a letra da música e o que está definido em I Coríntios 13. Salvação sobreviveu, mas principalmente nos centros de reciclagem de lixo. A cultura moderna chega a usar termos como renovado para carros usados, perfumes e times de futebol. É triste, porque os cristãos não criam novas palavras fortes para expressar o significado que se perdeu das antigas. Nossos neologismos são emprestados, em sua maioria, de psicólogos, de modo que ouvimos incessantemente sobre "amizade" ou "relacionamento pessoal" com Deus, embora, como C. S. Lewis aponta em The Four Loves (Os Quatro Amores), estas imagens descrevam com exatidão apenas uma ínfima parte do encontro entre o Criador e a criatura. 

Algumas palavras, porém, mantiveram seu brilho, e podem conseguir sobreviver mais algumas décadas. Uma delas infiltrou–se tão amplamente que seria difícil matá–la sem grandes lutas. Graça, palavra teológica maravilhosa, tem sido adotada, desavergonhadamente, por todos os segmentos da sociedade. Muitas pessoas ainda "dão graças" antes das refeições, reconhecendo que o pão cotidiano é um presente de Deus. Somos agradecidos pela simpatia de alguém, gratificados por notícias boas, agraciados quando bem–sucedidos, graciosos ao receber amigos. Um compositor adiciona notas para graça à música, que os bons pianistas aprendem a tocar graciosamente

A indústria editorial secular chega bem perto de preservar o sentido original, concedendo edições de graça. Ao assinar uma revista por 1 ano, a pessoa pode continuar recebendo alguns exemplares depois que a assinatura expirar. São edições de graça, isentas de pagamento, não merecidas, enviadas na tentativa de levar a pessoa a fazer nova assinatura. São grátis, aí está a palavra de novo. 

Minha frase favorita do termo graça ocorre no latim: persona non grata. Uma pessoa que não é bem–vinda, não é aceita em uma nação, ou em um partido, é, literalmente, uma pessoa sem graça. Sempre que ouço estas sílabas melodiosas penso em um trecho de 1 Pedro, onde o apóstolo tenta encontrar palavras que impressionem os leitores com o esplendor de seu chamado. Ele diz: 
Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido ... Vós, que em outro tempo não éreis povo, mas agora sois povo de Deus; que não tínheis alcançado misericórdia, mas agora alcançastes misericórdia. (2:9,10) 
De persona non grata a escolhidos de Deus, objetos de graça imerecida. Se estes ricos conceitos permanecerem, talvez ainda haja esperança também para a língua que falamos.

Philip Yancey
In: Perguntas que precisam de respostas

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