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segunda-feira, 23 de abril de 2012
“Porque o que fala língua estranha não fala aos homens, senão a Deus; porque ninguém o entende, e em espírito fala de mistérios” (1Co 14:2).
O professor Leandro Quadros foi bastante gentil em me enviar um exemplar, com dedicatória, do seu livro Na Mira da Verdade, pelo que me senti honrado. Não posso fazer uma avaliação da obra, uma vez que ainda não tive a oportunidade de ler, já que junto com ele veio um presente da querida Grace Ferrari, o livro O Incomparável Cristo, o qual furou minha fila de leitura. Mas passando o dedo pelo índice, no capítulo Respostas a Perguntas Frequentes, uma pergunta chamou minha atenção a ponto de inspirar este post. Ei-la: “Paulo diz em 1Co 14:2 que a pessoa que fala em língua estranha não fala aos homens, mas, a Deus. Por que então vocês não acreditam no dom de línguas?”.
Na resposta oferecida, Leandro diz que “existem duas interpretações” para o versículo que ele julga serem as mais corretas. Na primeira delas, Paulo estaria reprovando o uso do falar em línguas pois o mesmo seria uma importação do falar extático dos cultos pagãos de Corinto. Na segunda, que é a pessoalmente esposada por Leandro, as línguas referidas por Paulo são apenas “idiomas usados para pregar o evangelho” e que “o dom de línguas tem um propósito puramente evangelístico”. Ele fundamenta sua posição argumentando que “glossa significa idiomas”, que “laleo está relacionado com a palavra língua, indicando a linguagem é a do dia a dia” e ainda que “a expressão ‘língua estranha’ não se encontra no original grego”.
Quanto à primeira interpretação, é certo que falar línguas não se trata de uma importação de práticas pagãs, uma vez que embora Paulo repreenda a desordem no culto, especialmente quanto aos exageros ao falar em línguas, ele não reprova o dom em si. Pelo contrário. Ele inclui o falar línguas entre os “dons espirituais” (v.1), diz que falar em línguas é “falar a Deus” e “falar em Espírito” (v.2), que o crente que fala em língua “edifica a si mesmo” (v.4) e que por isso desejava que “todos falassem em línguas” (v.5), ainda mais se houvesse interpretação, pois então seria comparável ao dom de profecia (v.5). É inconcebível que Paulo qualificasse dessa forma uma prática pagã introduzida no culto. Na verdade, uma leitura dos primeiros cinco versos mostra que Paulo estava monstrando que o dom de profecia era superior ao dom de línguas, quando este não fosse interpretado na igreja.
A segunda possibilidade é a de que o dom de línguas refere-se a idiomas humanos, hipótese que ele defende apoiado principalmente nos termos utilizados no original. Quanto ao termos “estranha” não constar do original, concordo com ele, mas isso não influi na conclusão. Já os termos glossa e laleo são importantes para elucidar a questão e temos que analisar não apenas o sentido etimológico delas, mas principalmente o uso teológico que os escritores bíblicos fazem da associação desses dois termos. O termo glossa ocorre 50 vezes no NT, sendo que em 17 vezes a referência é ao órgão da fala e 7 vezes a um sentido étnico, estas todas no Apocalipse. Na maioria das vezes, mais precisamente em 25 das ocorrências, tem-se em mente o fenômeno sobrenatural de falar em línguas. Que me lembre, não existe nenhuma ocorrência de “falar em línguas” que se refira a idiomas terrenos. Para se referir a língua ou linguagem própria de cada povo, o Novo Testamento usa o termo dialektos (At 1:19; 2:6,8; 21:40; 22:2; 26:14), o qual por sua vez jamais é utilizado para se referir ao dom espiritual de línguas. Portanto, uma análise abrangente dos termos glossa e laleo desfavorece decisivamente a conclusão de que Paulo estava se referindo a idiomas humanos.
Cabem outras considerações ao tema. O professor disse que o dom de línguas tem “um propósito puramente evangelístico”, o que não é verdade. No texto em questão, Paulo não tem em vista a evangelização de perdidos, mas a edificação da igreja, à qual se refere diretamente seis vezes em 1Co 14 (versos 3, 4, 5, 12, 17, 26). Quanto à sua utilidade para evangelização, o que podemos inferir das seguintes palavras? “Se, pois, toda a igreja se reunir num mesmo lugar, e todos falarem em línguas, e entrarem indoutos ou incrédulos, não dirão porventura que estais loucos?” (1Co 14:23). Em nenhum lugar do Novo Testamento vemos o dom de línguas sendo utilizados para evangelização, exceto talvez como sinal. O professor Leandro cita como evidência do propósito evangelístico do dom de línguas At 10:44 e 19:10. A primeira passagem diz “E, dizendo Pedro ainda estas palavras, caiu o Espírito Santo sobre todos os que ouviam a palavra”. Note que Pedro não usou o dom de línguas para pregar, pelo contrário, os evangelizados é que falaram em línguas, e depois de receberem o evangelho. A segunda passagem citada diz “E durou isto por espaço de dois anos, de tal maneira que todos os que habitavam na Ásia ouviram a palavra do Senhor Jesus, tanto judeus como gregos”. Não há uma referência direta ao falar em línguas aqui, mas nos versos 5 e 6 lemos “E os que ouviram foram batizados em nome do Senhor Jesus. E, impondo-lhes Paulo as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo; e falavam línguas e profetizavam”. Novamente, o dom de línguas não foi utilizado para evangelizar, mas depois de terem sido evangelizados e batizados é que receberam o dom de falar em línguas. E a duração referida no verso 10 não é a do dom de línguas, mas às disputas diárias na Escola de Tirano.
Concluímos pois que o professor Leandro não respondeu corretamente à pergunta feita. A resposta correta seria a que um pentecostal daria, primeiro afirmando a atualidade do dom de línguas, uma vez que nada na Bíblia indica a sua cessação antes da volta do Senhor. E em seguida, indicando sua real natureza, não um idioma humano, mas um dom sobrenatural do Espírito que capacita falar em uma língua não aprendida por quem fala, nem entendida por que ouve, exceto se interpretada também por um dom sobrenatural.
Soli Deo Gloria
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