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segunda-feira, 19 de maio de 2008

Alguém pediu:

"Gostaria de algumas orientações para estudarmos o Antigo Testamento, considerando a unicidade da Bíblia e sua relevância eterna, sem contudo atropelar regras de hermenêutica para a interpretação ideal."

Vou resistir à tentação de tratar da apropriação indébita que os desvairados da teologia da prosperidade fazem de muitas promessas do Antigo Testamento, para me deter na questão maior: qual a chave hermenêutica e quais princípios devem ser observados na interpretação do Antigo Testamento.

Em primeiro lugar, acho que não é demais enfatizar a unidade orgânica entre o Antigo e Novo Testamento. A Bíblia é uma só e os 66 livros constituem um todo coerente. Enfatizar o Novo Testamento em detrimento do Antigo é tão errado quanto aplicar o Antigo Testamento sem a luz do Novo. Ao lado da unidade de toda a Bíblia, devemos considerar que a revelação é progressiva, ou seja, no Novo Testamento temos uma revelação mais completa que a do Antigo Testamento. Porém, novamente, temos que tomar cuidado aqui, para não entendermos que o Novo Testamento tornou o Antigo ultrapassado ou obsoleto. A analogia é a da semente e da árvore. Assim como toda a árvore estava na semente, embora não estivesse totalmente revelada, assim também o Antigo Testamento contém o Novo, embora nele este não se encontrasse revelado. Descobrir o Novo Testamento no Antigo Testamento é a tarefa do intérprete bíblico.

Mas qual o princípio norteador ou chave hermenêutica para entender o Antigo Testamento? Lutero entendia que a chave para compreensão do Antigo Testamento era a pessoa de Cristo: todo o Antigo Testamento aponta para o Messias. Creio que ele estava certo, mas exagerou na dose, vendo passagens messiânicas onde nada se diz de Cristo. Calvino, embora aceitasse a centralidade de Cristo no Antigo Testamento, não foi tão extremado quanto Lutero e alguns salmos que este considerou messiânicos ele viu que eram apenas davídicos.

Eu entendo que a chave para interpretação segura do Antigo Testamento é o Novo Testamento. Mais precisamente, devemos seguir o exemplo de Jesus e dos apóstolos ao tratar de passagens vetero-testamentárias. Jesus, ao referir-se a alguma narrativa histórica, tomava-a como registro fiel do fato, além de extrair o sentido normal ao invés de fazer uma interpretação alegórica. Além disso, Jesus condenou a forma "livre" que os fariseus faziam do Antigo Testamento, colocando acréscimos interpretativos que eram tradição de homens. Portanto, Jesus interpretou o Antigo Testamento extraindo conclusões naturais do mesmo, sem forçar o sentido para inferir um sentido mais profundo ou abrangente (o tal do sensus plenior).

Consoante modo, os apóstolos aceitaram a exatidão histórica do Antigo Testamento e não interpretariam o texto de forma alegórica, exceto naqueles casos autorizados pelo contexto. Portanto, o Novo Testamento, na grande maioria das referências ao Antigo Testamento, interpretam-no de forma literal, ou seja, de acordo com as normas de interpretação de todo tipo de texto: história como história, poesia como poesia e símbolos como símbolos. Portanto, o próprio Novo Testamento estabelece o padrão de interpretação do Antigo Testamento: o método histórico-gramatical.

Isto posto, permita-me mencionar alguns princípios de interpretação aplicáveis a toda a Escritura, mas especialmente necessários para evitar interpretações corrompidas do Antigo Testamento.

Toda interpretação deve começar com a definição dos termos e uma vez definidos não devem ser mudados (interpretação gramatical). Deve-se buscar o sentido claro das palavras. Mas os termos bíblicos não devem ser interpretados fora de seus contextos, ou seja, cada palavra lida deve ser interpretada à luz das palavras que as seguem e a precedem. Considere também que a Bíblia foi escrita, em sua maioria, por judeus para judeus, portanto não devemos impor o nosso jeito de pensar, e sim o pensamento judeu dos tempos bíblicos. Portanto, as passagens devem ser lidas e entendidas sob compreensão do contexto histórico em que foram ditas e escritas (interpretação histórica). Finalmente, devemos fazer inferências lógicas, e não dar "saltos" na interpretação. Isso significa que a conclusão de um fato deve derivar de outro fato através de um raciocínio lógico consistente.

O estudo cuidadoso do Antigo Testamento à luz do Novo Testamento e seguindo regras estabelecidas e aceitas, evita consclusões esdrúxulas e é de muito proveito espiritual.

Muito mais se poderia falar sobre o assunto, inclusive sobre a igreja no Antigo Testamento (para esquentar o debate entre aliancistas e dispensacionalistas), mas nem estou com tempo para fazê-lo nem sou a pessoa mais indicada para escrever sobre isso.

3 comentários:

André Aloísio disse...

Olá Clóvis, graça e paz! Excelente seu texto. Atualmente temos no meio evangélico as mais absurdas interpretações do Antigo Testamento. Seu artigo nos mostra os princípios a serem seguidos para se evitar isso.
Que Deus continue te abençoando!

Clovis Gonçalves disse...

Oi André,

Tenho acompanhado seus posts e dado glórias a Deus pelo Teologia e Vida.

A pessoa que me dirigiu a pergunta, que resultou no artigo acima, citou um exemplo de mau uso do Antigo Testamento. Infelizmente, não é um caso isolado.

Ivan disse...

É preciso continuamente enfatizarmos a importância do Antigo Testamento. Nossa geração não lê nem o Novo imagina o Antigo. Sua ênfase neste artigo é muito oportuno. Que Deus continue a te abençoar.