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segunda-feira, 13 de janeiro de 2014
“É impossível, pois, que aqueles que uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se tornaram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, e caíram, sim, é impossível outra vez renová-los para arrependimento, visto que, de novo, estão crucificando para si mesmos o Filho de Deus e expondo-o à ignomínia. Porque a terra que absorve a chuva que frequentemente cai sobre ela e produz erva útil para aqueles por quem é também cultivada recebe bênção da parte de Deus; mas, se produz espinhos e abrolhos, é rejeitada e perto está da maldição; e o seu fim é ser queimada” (Hb 6.4–8) .
O texto da carta aos Hebreus destacado acima é um dos mais difíceis das Escrituras. No passado o mesmo foi utilizado por grupos hereges chamados de donatistas e novacianos, os quais apelavam a ele para negar que os que uma vez negaram a fé pudessem ser readmitidos à comunhão da igreja. Diante da dificuldade de oferecer uma resposta apropriada aos hereges, muitos chegaram a questionar a canonicidade da carta.
E sobre o texto já se debruçaram estudiosos da envergadura de Calvino, Lutero, Mathew Henry, Tertuliano e um sem número de eruditos. Embora alguns deles tenham defendido a sua interpretação como sendo a correta, os mais prudentes não só reconheceram a dificuldade, como evitaram ser dogmáticos e conformaram-se em esperar a volta do Senhor para afirmar uma certeza sobre o que o autor ensina. É óbvio que escrevendo depois de homens com tal envergadura, nem sonho dizer qual estava certo, menos ainda apresentar uma interpretação inédita e melhor que a deles. Limito-me a fazer um apanhado das principais possibilidades.
O desafio arminiano. Quando um arminiano apresenta essa passagem como um desafio a um calvinista, em geral está defendendo a possibilidade de perda da salvação. Identificam os que foram “iluminados, e provaram o dom celestial, e se tornaram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro” como crentes regenerados e o fato de que “caíram” significando que perderam a salvação. Não é uma interpretação livre de problemas, pois implica que “é impossível outra vez renová-los para arrependimento”, ou seja, tais pessoas não podem ser trazidas de volta à salvação. E levanta a questão de qual pecado configuraria essa queda? O escritor diz que “se pecarmos voluntariamente, depois de termos recebido o conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados” (Hb 10.26, ACF). Quem de nós já não cometeu tal pecado? Sugere-se que se trata de apostasia, mas a palavra apostasia não ocorre no texto em estudo.
As respostas calvinistas concentram-se principalmente em negar que o autor da carta esteja se referindo a verdadeiros crentes ou que a queda implique real perda da salvação, podendo tratar-se de um caso hipotético ou uma outra consequência real, que não a perdição eterna. Nenhuma delas é livre de dificuldades.
1. Não eram regenerados. Vários calvinistas e alguns arminianos não identificam as pessoas descritas como sendo crentes regenerados, mas falsos professantes, que estiveram perto de se converterem. Para eles “iluminados” refere-se compreender a mensagem do evangelho, “provaram” significam que apenas degustaram e o “participantes” que usufruíram de um graça comum, não necessariamente salvífica. Em geral, entendem o “caíram” como sendo apostasia total e definitiva. Sendo assim, foi do conhecimento da verdade que essas pessoas caíram, não da possessão pessoal dela, saíram de uma participação relativa do Espírito Santo, não da participação da natureza divina. Por rejeitarem o evangelho que compreenderam, chegaram a um tal endurecimento que se pode dizer que “é impossível outra vez renová-los para arrependimento”.
2. A queda é hipotética. Essa posição encontra representantes entre muitos calvinistas e alguns arminianos. Para esses intérpretes, o texto descreve crentes regenerados e uma apostasia final e irreversível. Porém, trata-se de uma situação hipotética, o que poderia, em tese, acontecer se um verdadeiro crente se apostatasse total e finalmente da fé. Se fosse possível um verdadeiro crente perder a salvação, então seria impossível para ele recuperá-la. Os que defendem essa posição o apoiam-se no fato de que o escritor não usa os pronome “nós” ou “vós” ao descrever a queda dos iluminados, como o faz nas porções anteriores e posteriores de sua mensagem (Hb 6:9).
3. A queda não é a perda da salvação. Finalmente, uma outra posição afirma que o texto descreve verdadeiros crentes, porém a queda não significa perda da salvação. A perda seria no progresso espiritual ou dos galardões. Seguindo o raciocínio de Hb 6:1-3, o autor estaria tratando do progresso na fé. Assim, o ser iluminado refere-se ao batismo, provar o dom espiritual é participar da ceia, participar do Espírito Santo é ser batizado com o mesmo e provar os poderes do mundo vindouro é receber/realizar os sinais que acompanham os que creem. Se após tudo isso a pessoa cai, vale dizer, deixa de progredir, é impossível voltar no início e recomeçar com o arrependimento, pois seria como crucificar de novo o Salvador. Por isso o autor espera de seus leitores coisas melhores, ou seja, o contínuo progresso na fé. Uma versão dessa explicação faz referência à perda dos frutos e dos galardões, representada pela terra queimada em Hb 6:8, onde o que de fato é queimado é o que a terra produziu.
Minha posição. O que eu creio é que Hebreus 6:4-6 deve ser lido e interpretado à luz do ensino do Novo Testamento sobre a segurança eterna dos crentes. Parafraseando C. I. Scofield, o “se” de Hb 6:6 não pode anular o “em verdade” de Jo 5:24. E não é o caso de contrapor um verso a outro, e sim de iluminar um texto particular com o ensino geral das Escrituras.
Jesus disse “em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida” (Jo 5.24). Disse também que “Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão” (Jo 10.28). Paulo afirma que “agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8.1), que fomos “selados com o Santo Espírito da promessa; o qual é o penhor da nossa herança, até ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória” (Ef 1.13–14) e que sendo assim “quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu ou, antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede por nós” (Rm 8.34). Pedro completa que somos “guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo” (1Pe 1.5). As passagens bíblicas que asseguram a preservação do salvo são tantas que citar todas aqui alongaria demais esse parágrafo.
Portanto, à luz dessas passagens e muitas outras é impossível que alguém que foi eleito, predestinado, chamado e justificado se apostate total e finalmente e perca a salvação, não sendo glorificado (Rm 8:28-30). Como a Escritura não se contradiz, Hebreus 6:4-6 não pode estar ensinando que um regenerado pode perder a salvação. Restam três possibilidades: as pessoas referidas não eram crentes verdadeiros, o que se perde não é a salvação ou é uma situação hipotética. Eu não poderia afirmar com certeza qual delas é a correta (inclino-me mais para a da “queda hipotética”), mas isso não é necessário, pois sei o que o texto não ensina: a perda da salvação. O texto simplesmente não afirma que um crente pode, de fato, a perder a salvação e interpretar dessa forma força ceder a um erro parecido com os de Donato e Novaciano.
Soli Deo Gloria
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Autoria Clóvis,
Calvinismo,
Exegese,
Preservação dos santos
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