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sábado, 21 de setembro de 2013
Duas passagens da epístola aos Hebreus ressaltam para nossa compreensão, relacionadas ao desafio à doutrina da preservação dos santos, ensinada em João 10.28. Tais passagens são Hebreus 6.4-6 e 10.26-31. Ambas ensinam que o crente professo pode voltar-se contra o Senhor Jesus depois de tê-lo recebido como Salvador. Mas a verdadeira questão em tela é se uma ou outra dessas passagens tem em vista o crente regenerado.
Hebreus 6.4-6 foi bem traduzido pela NVI: "Ora, para aqueles que uma vez foram iluminados [hapax phōtisthentas], provaram o dom celestial, tornaram-se participantes [metochous genētherttas] do Espírito Santo, experimentaram a bondade da palavra de Deus e os poderes da era que há de vir, se caírem, ser recuperados pelo arrependimento, pois para si mesmos estão crucificando de novo o Filho de Deus, sujeitando-o à desonra pública". Vamos examinar ponto a ponto a descrição que se faz do apóstata:
1. Ele foi iluminado por uma clara apresentação do evangelho e pelo convite para que se arrependa e creia. Aparentemente essa pessoa fez profissão de fé e recebeu Cristo como seu Salvador.
2. A pessoa provou o dom celestial (dōrea, que não é a mesma coisa de charisma, "dom espiritual"); isto é, ela tomou parte nas atividades da igreja, na comunhão alegre dos demais cristãos no culto e na obra de Deus, e chegou a ver uma reação perante seu testemunho e apelo nas reuniões públicas.
3. A pessoa provou a bondade da Palavra de Deus. Ou seja, ela chegou à compreensão clara da mensagem bíblica e mentalmente a aprovou, tendo apreciado a apresentação fiel e ardorosa da parte dos pregadores.
4. A pessoa chegou a provar os poderes da era vindoura — da mesma forma que Judas os experimentou, quando ele voltou com os outros onze, exultando com exuberância de que no decurso de sua campanha evangelística, divididos em duplas, até os demônios se lhes sujeitavam, quando pregavam o Senhor Jesus (Lc 10.17). É evidente que ele estava tão envolvido naquele esforço que na véspera de sua traição, no jardim do Getsêmani, nenhum de seus colegas suspeitava do ato traiçoeiro que Judas tinha em mente durante a refeição pascal. (Sabemos disso porque os apóstolos perguntaram uns aos outros, ao redor da mesa, "Com certeza não sou eu!" [Mc 14.19]. Nem souberam naquele dia a quem Jesus se referia como o traidor.)
Veja-se que aquelas três qualidades estavam presentes em Judas. Ele havia sido iluminado, experimentado o dom celestial e provado a bondade da Palavra de Deus, ao sentar-se durante três anos ouvindo o ensino do Senhor Jesus. Enquanto havia participado da pregação do Evangelho e da expulsão de demônios, também possuía a ajuda do Espírito Santo. Todavia, nada disso implica que ele tenha sido habitado pela terceira Pessoa da Trindade; seu corpo não havia sido tomado pelo Espírito para ser o templo santo de Deus. Jamais! Cristo podia ler seu coração e ver a hipocrisia e a traição lá dentro — pois o Senhor o indicou com clareza durante a Última Ceia. Na oração sacerdotal de João 17, Jesus falou de Judas como "aquele que estava destinado à perdição" (v. 12). Nenhum esforço extraordinário da imaginação poderia fazer dele, em tempo algum, um crente nascido de novo, pouco importando quão convincente tenha sido seu desempenho perante seus colegas apóstolos. No entanto, as quatro qualidades tidas como próprias de um apóstata estavam presentes em Judas.
Fica bem claro que o tempo todo Judas esperava obter vantagens pessoais da parte de Jesus; talvez desejasse uma posição honorífica no reino vindouro de Cristo (que ele julgava ser primordialmente político e de natureza terrena). Ele nunca aceitara com seriedade Jesus como Senhor, em seu coração; jamais depositou seu corpo no altar da devoção sincera à vontade e à glória de Deus. Judas poderia ter professado essa entrega, mas jamais a levou a sério. Quando Jesus deixou bem claro que não tencionava usar seus poderes sobrenaturais a fim de obter vantagens políticas, Judas tomou a decisão de traí-lo e entregá-lo às autoridades do templo em troca de algum dinheiro. Essa iniciativa deixa bem claro que ele pretendia usar Cristo para atingir seus interesses egoístas; ele não queria entregar-se e ser útil a Jesus para seu serviço e glória.
Cedo ou tarde chega a época da provação na carreira de quem aceita Jesus como Salvador — o Senhor para quem ele quer viver, por quem está pronto a morrer — mas, mediante tal provação, sua "conversão" espúria se tornará bem patente. O verdadeiro crente, nascido de novo, do tipo que jamais é arrancado das mãos do Mestre, é aquele que passou por aquela mudança interior, transformação do coração, que o faz centralizar-se em Cristo, em vez de em si mesmo (cf. 2 Co 5.14-17). A morte da pessoa para o mundo e para o seu eu, a entrega a Jesus como Senhor, que dá acesso ao Espírito Santo, e faz com que o Espírito tome posse do convertido de modo completo e total, é uma regeneração genuína, permanente. Ainda que esse crente possa em certa ocasião voltar atrás, durante algum tempo, e experimentar de novo o peso antigo da escravidão e vergonha, ele jamais terá permissão para permanecer no estado de rebelião e derrota. O Espírito Santo não o deixará a sós, mas por esse ou aquele meio vai atraí-lo de volta ao arrependimento renovado, à fé e à entrega total.
A segunda passagem de Hebreus que devemos estudar é 10.26, 27: "Se continuarmos a pecar deliberadamente [hekousiōs também pode significar 'de boa vontade'] depois que recebermos o conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados, mas tão-somente uma terrível expectativa do juízo e de fogo intenso que consumirá os inimigos de Deus". Aqui há de novo uma recepção anterior do conhecimento da verdade como a temos em Jesus (semelhante ao "iluminados" de 6.4) e uma compreensão integral do sentido da cruz. Mas infelizmente é possível tomar posse do plano da salvação como um conceito e comunicá-lo claramente a outros, como questão de ensino, e apesar disso nunca entregar-se realmente a Jesus. A Bíblia define o ato de crer verdadeiramente como aceitar a Cristo — não simplesmente o ensino de Jesus como filosofia ou teoria — como Senhor e Salvador: "... aos que o receberam, aos que creram em seu nome, deu-lhes o direito..." (Jo 1.12).
O crente que recebe Jesus como Senhor com toda convicção e verdade nunca voltará com sinceridade e de boa vontade à prática do pecado, pois jamais "pisou aos pés o Filho de Deus" (Hb 10.29); nunca considerará seu sangue derramado como impuro ou profano (koinon), e jamais insultará galhofeiramente o Espírito Santo. A pessoa que consegue admitir em si mesma esse tipo de impiedade e desprezo para com seu Salvador divino, com toda certeza nunca entregou seu coração a Ele. À semelhança de Judas, pode ter pensado que apenas "tentaria Jesus" e ver até que ponto gosta do Senhor, e se poderá obter dele as vantagens e bênçãos que almeja para si mesmo, para sua própria satisfação. Visto que tal crente jamais levou a sério as afirmações de Cristo, pois nunca admitiu o senhorio dele em sua vida, tal cristão não passou de uma falsificação espiritual, desde o início. Deus jamais se contenta com falsificações. Ele só aceita o crente real, genuíno. Deus não pode deixar-se enganar, nem mesmo pela demonstração mais piedosa. Ele consegue ler nossos corações.
Archer, G.
In: Enciclopédia de temas bíblicos.
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